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#TBT101: O mês da visibilidade lésbica, orgulho e luta por igualdade

01.08.24 - 14H39
MMM

Trecho da entrevista no Mamas, Minas e Manas, em 2023. Da esquerda para a direita, vemos Girlayne Carvalho, Júlia Chade e Janaína Serra. (Foto: Reprodução/YouTube)


Por Mateus Paegle


Agosto é anualmente celebrado como o mês da visibilidade lésbica, já que os dias 19 e 29 marcam o Dia do Orgulho Lésbico e o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. As datas representam o fortalecimento da busca da luta das mulheres lésbicas por visibilidade, justiça e igualdade. Trazendo para a sociedade e para o debate público a importância da afirmação da identidade e do orgulho lésbico, bem como da resistência e da luta por direitos.

A história do Dia do Orgulho Lésbico remonta a 19 de agosto de 1983, quando ativistas do Grupo Ação Lésbica Feminista ocuparam um conhecido bar da época, organizando uma manifestação de grandes proporções que ficou conhecida com o “stonewall brasileiro”. A mobilização dos protestos veio após as ativistas terem sido proibidas de vender o jornal Chana com Chana no local, que trazia pautas ligadas a comunidade lésbica e feminista. Já o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica marca o 29 de agosto de 1996, data em que foi realizado o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), no Rio de Janeiro, para debater as violações de direitos humanos sofridos pela comunidade lésbica.

Dentro do contexto de celebração de um mês marcante para a comunidade lésbica, mas também de memória e resistência contra o preconceito e luta por igualdade para as próximas gerações, o TBT desta semana relembra a entrevista feita por Janaína Serra, no programa Mamas, Minas e Manas, com duas mães lésbicas, a ativista em direitos humanos e Presidente Nacional Da Associação Mães da Resistência, Girlayne Carvalho, e a ativista social e membra da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/Pernambuco, Júlia Chade. A entrevista abordou a temática da luta das mães por seus filhos LGBTI+ e foi originalmente veiculada em 07 de novembro de 2023.


Janaína Serra: Pelo mundo que a gente vive, se eu coloco ali no google, “família LGBTQIA+” ou “mães LGBTQIA+”, o que eu tenho? Dados de violência. É isso que aparece. E também tenho dados de vocês, de ONGS, mas que são poucas, acredito eu. Porque, de uma forma geral, não se acolhe a família. Outro dia vi uma frase numa matéria sobre a importância da mãe “sair do armário”. Como você enxerga esse contexto?

Girlayne Carvalho: Hoje em dia é mais fácil você ver a mãe sair do armário do que os filhos. Pelo menos no meio que a gente circula, a gente sabe que o armário é um lugar de segurança para o LGBT. Há três, quatro anos atrás a gente saía com a faixa “famílias saiam do armário, seus filhos precisam de vocês”, mas a gente não tinha a dimensão do quão violento era tirar eles do armário e jogar eles na sociedade sem nenhum amparo político de cuidado com eles. Então hoje a gente repensa isso. E aí dentro do movimento a gente tem muita mãe que saiu do armário e o filho ainda não, sabe? É aquela história de que a minha filha não fez opção por ser quem é, mas eu fiz a opção de ser ativista. Então é mais fácil pra mim me colocar como ativista do que minha filha se colocar no mundo como LGBT, sabe? Dentro desse lugar de cuidado, hoje já temos outra visão sobre esse “armário”, sobre ele permanecer fechado até o dia em que o próprio filho resolva sair. Porque quando acolhemos outras mães a gente escuta muitas histórias, sobre aquilo que você falou de que quando a gente coloca “famílias LGBT” no Google a maioria das coisas que vemos são famílias que estão na militância, como nós, mas também famílias que expulsaram ou estão sofrendo pela dor da perda do filho, porque o filho virou estatística. Então é muito difícil fazer ativismo hoje para acolher essas famílias e dizer pra elas que “isso acontece, mas a gente vai dar um jeito”, porque na verdade a gente não tá conseguindo dar jeito. É como se a gente estivesse toda hora enxugando gelo. Eu não vou mentir só pra ter número na minha organização, por exemplo. Dizer pra ela: “ah não, depois que a gente tá no ativismo a coisa muda”. Não é porque eu sou presidente de uma associação que minha filha deixou de sofrer, ela não está blindada. Então os casos de violência contra LGBT são recorrentes, eles acontecem sempre, mas o que entendemos é que quando a gente tá junto a gente se sente mais preparado para lidar com as coisas que acontecem com eles. Então no lugar de cuidado a gente tem a preocupação de dar um acolhimento contínuo, um acolhimento de formação, com rodas de conversa, de trazer especialização. Quando eu descobri que minha filha era lésbica, eu fui péssima com ela, e muito do preconceito que era meu, já internalizado, veio junto com a falta de conhecimento e de informação. Então quando eu, que tenho acesso a internet, celular, livros para ler, trabalhos científicos para pesquisar, me coloco no lugar de ser preconceituosa por falta de informação, isso significa que existem centenas de outras mães que, pela falta desses elementos todos que falei pra você, vão ser mais preconceituosas ainda, porque o desconhecimento potencializa o preconceito. Então a gente precisa estar levando para essas mães o mínimo de informação que a gente tem. Eu falo do meu lugar de mãe pra mãe, com essa mãe que talvez não tenha conhecimento, não tenha nenhuma formação científica, mas tem o direito de ter acesso a informação, para, dentro da casa dela, não cometer a violência que eu cometi com minha filha.

Janaína: O que a gente precisa, o que a gente precisa melhorar e o que a gente caminhou? Eu separei aqui três áreas: saúde, que a gente falou, nome social e escolas. Queria ouvir vocês sobre.

Júlia Chade: A primeira porta é a diversidade. Acho que a primeira porta que hoje precisa ser olhada em todos os lugares, apesar de o tema hoje estar muito em pauta. O fato de a ONU ter colocado as ODS’s muito claras, até desenhadas, as 17 metas, e ter colocado explicitamente muito voltado a diversidade e a inclusão. Porque a gente tem escutado muito sobre a inclusão, e na inclusão cabe, obviamente os LGBTQIA+, os PCD’s e tudo mais, mas a diversidade faz com que qualquer pessoa que consiga entrar nesse letramento, cada pessoa, órgão público, iniciativa privada ou até mesmo terceiro setor, que às vezes já está ali sendo o principal incluído no letramento, mas as pessoas que fazem parte desse terceiro setor não tem o letramento. Então acho que a primeira porta é a diversidade. A inclusão é a nossa luta. A inclusão somos nós que em algum lugar temos um poder de fala, porque estamos dentro da militância e estamos dentro da militância da inclusão porque não olhamos só para a nossa causa, a gente quer ver o bolo. Gosto muito de uma frase de uma escritora que diz que a diversidade é você chamar pra festa e a inclusão é você chamar para dançar. Então é direito humano do meu filho sim ter seu nome social na escola. “Ah, mas vamos usar um advogado pra isso”, “Não, espera, deixa eu ir lá falar com a escola”. Eu acho que nessa intervenção é onde conseguimos trazer o direito humano na prática, porque também está no direito humano dialogar, e às vezes a gente perdeu esse sentido de poder dialogar primeiro. Porque será que a escola entende que, caso meu filho não tenha o nome social dele, o que isso pode acarretar para essa criança ou para esse adolescente? Quantos direitos humanos ela não vai ter? Então acho que o diálogo, o transitar, o pertencer é a porta. É você dialogar para dizer “eu posso pertencer nesse lugar”. Então acho que as escolas para mim são um grande equipamento em que a gente pode entrar, de alguma forma, e trazer diálogo e transformação. E as crianças… minha filha hoje tem quatro anos e ela entende o que é menino, menina, não binário, porque eu expliquei isso para ele. Ela tem um amiguinho que gosta de usar vestido. A gente se apresentou para as mães da escola da qual ela faz parte, justamente porque a escola nos deu esse direito. Então a primeira porta é essa, da diversidade e da inclusão, porque o pertencimento é o que importa no mundo, a gente só tá na militância por isso.

Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no YouTube. Toda quinta-feira publicamos a seção #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a 101.5 trouxe na grade de programação.


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