Foto: Reprodução/Internet
Por Johnny de Sousa
Da última vez que visitamos o Relicário foi observada a figura de Miró da Muribeca como um representante da poesia urbana de Recife, sendo sua arte um resultado brutal do cotidiano da cidade. A influência da cidade em Miró acabou por ter um efeito reverso, já que muitos outros artistas, que invadiram o centro do Recife, foram diretamente influenciados pela figura do poeta. Para além desses novos artistas, os meios mais tradicionais também evoluíram, trazendo um refresco para os pilares fundamentais da arte nordestina. O Cordel, por exemplo, não ficou de fora.
Literatura de Cordel, conhecida também como folheto, é um gênero literário feito de forma rimada e metricamente estruturada, primeiramente oral e posteriormente impresso. Essa tradição é uma das mais populares da região Nordeste, abordando temáticas diversas, desde a cultura popular aos mais minuciosos relatos sociais.
Quando o Relicário falou de Miró, era comemorado o dia da poesia; quando se falava do cordel, foi a comemoração do dia do poeta da literatura desses folhetos, poucos dias depois da morte de Miró da Muribeca . Naquele Dia do Cordel, a apresentadora do Relicário, Janaína Serra, debruçou-se sobre esta tradição oral com outros estudiosos do tema, dentre eles o poeta e cordelista Jorge Filó; a educadora e pesquisadora Érica Montenegro; e a editora e ativista Aninha Ferraz.
Janaína: Vamos começar o programa daquele jeito que eu chamo de respiro. Mesmo com o coração apertado, a gente segue com mais poesia, trazendo arte para esse espaço, que é algo tão necessário. Vamos respirar, porque a vida é dura! Hoje é o Dia do Poeta do Cordel e eu tô aqui com Aninha Ferraz, Érica Montenegro e Jorge Filó. Sejam muito bem vindos!
Jorge: Queria começar dizendo que é impossível falar de poesia sem citar Miró. Mesmo diante dessa perda, temos que continuar, como você disse, no rastro da poesia.
Érica: Acho que nesse meu canto de cordelista, não tem como pensar na força da poesia dele. Eu escrevo muito para a infância, mas também para outros públicos. E é aí que, de certo modo, a gente acaba por receber diversas influências, né? Miró foi uma delas, juntamente com diversas poetisas maravilhosas que temos por aqui.
Aninha: Eu estava em Garanhuns quando recebi a notícia da partida de Miró, que foi bem nos últimos dias do Festival de Inverno. Inclusive, fechamos a Praça da Palavra um pouco mais cedo, por conta disso. Cheguei a publicar livros com poesias dele, juntamente com as de Jorge, e já estive com ele várias vezes, lá no mercado da Boa Vista. Tenho certeza que ele vai ficar no coração de muitos recifenses por aí (...). Mesmo com essas questões da vida, os lutos que temos que passar, a gente segue resistindo e fazendo nossa arte. Esse nosso trabalho de cordelista, ainda que de muita luta, é repleto de alegrias, principalmente quando se vê um poeta novo. Em Garanhuns, nós, eu e Érica, conhecemos uma menina, de 16 anos, que já dizia “eu sou cordelista, vai sair meu primeiro livro agora!”. Então é isso, são essas coisas que nos dão coragem para continuar e saber, também, que nada está perdido.
Érica: Vou fazer um adendo aqui, que eu acho pertinente ao tema, tá? Quem está produzindo esse livro e orientando essa menina nos textos é o professor dela. Ou seja, isso é a prova de que a escola é um local de extrema importância para a introdução do cordel na vida das pessoas, principalmente para que tentem algum trabalho em folhetos. Tudo isso acaba trazendo esse interesse quando se introduz o cordel na escola, então fiquei bastante feliz ao saber dessa menina.
Após as muitas homenagens feitas à vida e obra de Miró, assim como suas relações com literatura de cordel, a conversa enveredou para as temáticas mais representativas desses folhetos, levando em conta, também, as questões técnicas que fazem desse gênero o que ele é.
Janaína: Eu queria perguntar a vocês qual é a grande dificuldade do cordel. É a métrica, são as rimas? Por que é tanta coisa (risos)!
Aninha: Algo que nos preocupa sempre, na verdade, é a invasão de poetas que se dizem cordelistas. Tem muita gente que diz que escreve folheto, mas nem chega a ser de fato. Não é, Jorge?
Jorge: Pois é. Isso é um tipo de arte que muitos poetas passaram anos, às vezes até a vida inteira, desenvolvendo e criando estilos, que é a sextilha, a septilha… Ou seja, tem toda uma exigência de métrica, de rima, que, por mais rigorosas que sejam, são passíveis de aprendizado. Porém, tem gente que nem se dá esse trabalho, mesmo existindo oficinas e aulas especializadas nessas técnicas. Eu, sinceramente, nem sei como ensinar e nem pra onde vai, pois tudo que aprendi foi com a vivência, mas existem pessoas com grande capacidade para lecionar essas técnicas. Poesia não tem que ter métrica e rima, mas cordel sim.
Érica: Essa estrutura física que Jorge tá falando é necessária para colocar o cordel dentro de uma formatação de gênero, o gênero cordel. Isso não é qualquer coisa, é um gênero literário de extrema importância. Aderaldo Luciano, que é um grande estudioso da área, reitera que essa estrutura fixa de cordel, que Jorge falou, é importante para manter a tradição dos folhetos como gênero literário.
Jorge: Exatamente! É que nem um soneto, no qual a estrutura básica se faz a partir de duas quadras e dois tercetos de mesma métrica, e ninguém muda esse tipo de poesia. Agora, não sei porque se muda tanto o Cordel.
Érica: Acredito que seja por conta de um desconhecimento da área. Se tem muitos mitos em relação à literatura de cordel, inclusive a ideia de que cordel só é relativo às questões do nordeste. Acham que só fala da natureza, dos sertões daqui… E esses mitos acabam se proliferando dentro de um pensamento geral, criando cada vez mais achismos. Por isso que é bom ter referências dos folhetos, é preciso estudar o gênero para que não haja mais esses mitos. Portanto, repito, é necessário ter referências, ou seja: Paraíba, Pernambuco e Ceará; grandes estados criadores de cordéis e cordelistas.
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O Relicário abraça a tradição e a coragem da arte nordestina através de um programa dedicado aos folhetos de cordel, manifestação poderosa e proeminente em toda a região Nordeste. O cordel cria um universo de possibilidades infinitas, que vão desde suas capas icônicas, feitas de xilogravuras, até suas rimas e métricas mais criativas, grandes inspirações para cancioneiros e gravuristas, não só no nordeste, mas em todo o Brasil.
Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)
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