ícone face twitter instagram

TBT101 - Literatura indígena: a herança que Auritha Tabajara registra em seu cordel

27.04.23 - 06H17
Janaína Serra conversou com a  escritora, cordelista, contadora de histórias, Auritha Tabajara

(Janaína Serra conversou com a escritora e cordelista, Auritha Tabajara. Foto: Arquivo Pessoal)

Por Luiz Rodolfo Libonati

 

Nascida em Ipueiras, município do interior do Ceará, Francisca Aurilene Gomes carrega consigo, além da tradição e dos saberes de seu povo, a alcunha de primeira mulher indígena cordelista a publicar seus poemas de cordel no país. Conhecida por seu nome ancestral Auritha Tabajara, é escritora, contadora de histórias, tal como sua avó Francisca Gomes, parteira que foi a primeira pessoa a segurá-la nos braços, e é também terapeuta holística em ervas medicinais.

Guiada desde nova por uma consciência natural de si sobre a importância da escrita e leitura, Auritha sempre se interessou pela palavra rimada. E foi com esse apreço pela rima que aprendeu a interpretar e contar, por conta própria, as histórias que ouvia. Mais do que isso, a registrar tudo o que compõe a cultura Tabajara de Ipueiras de que nasceu herdeira. Hoje, ela tem o livro que foi o seu primeiro publicado, “Magistério Indígena em Verso e Poesia” (2010), adotado pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará para compor as leituras nas escolas públicas.

Outra obra sua de destaque, “Coração na Aldeia, Pés no Mundo”, lançado em 2018, chegou a ser classificado como altamente recomendado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e inspirou o documentário “A mulher sem chão”. Para saber melhor sobre tudo isso, a apresentadora Janaína Serra recebeu Auritha Tabajara no programa Relicário, via videochamada, no último dia 19, Dia dos Povos Indígenas. Abaixo você confere um trecho.

 

Auritha Tabajara: (Cordel de apresentação)
 

“Eu sou Auritha Tabajara

Nascida longe da praia

Fascinada pela rima

E melodia da jandaia

No Ceará foi a festa

Meu leito foi a floresta

Nas folhas de samambaia

 

Minha essência ancestral

Me encontra cordelizando

Em amparo faz-me existir

E ao mundo eu vou contando

Que a minha forma de amar

Ninguém vai colonizar

De arte vou me armando

 

Filha da Mãe Natureza

Mulher guerreira eu sou

Com a força feminina

 

Cinco séculos atravessou

Cada vez mais sábia e forte

O meu medo é a morte

Que o preconceito gerou
 

Hoje esta mulher levanta

Com letra e voz autoral

Contra toda violência

Por um amor ancestral

De um corpo ensanguentado

Usado sem ser amado

Mas com espírito imortal
 

Minha avó é referência

Desde o tempo de menina

Até me tornar mulher

As histórias que ela ensina

Me incentivam a falar

Que a mulher tem seu lugar

E é raiz que nunca termina
 

Eu não sou como Iracema

A de José de Alencar

Sou do povo Tabajara

Onde canta o sabiá

Minha aldeia tem umburana

E minha terra é soberana

Pelo toque do maracá”

Essa sou eu!

 

Janaína Serra: Gente! Que coisa linda, Auritha! É a melhor forma mesmo de se apresentar, com tanta poesia. Olha, então vamos fazer o seguinte. Já que você falou da sua avó, falou de ancestralidade, eu sei que a sua avó tem um lugar fundamental na sua vida e eu queria que você contasse a história do seu nome. Seu nome Auritha significa “pedra de luz”, não é isso?

Auritha Tabajara: É isso mesmo. ‘Áurea’ é de luz, ‘ita’ é pedra na língua Tupi. Foi o nome que eu recebi na hora do meu nascimento pela minha avó, Francisca Tabajara, que hoje está com 94 anos, é rezadeira, benzedeira, mezinheira. É parteira - foi ela quem me pegou no colo pela primeira vez - e é uma das maiores contadoras de histórias da região. Minha avó conta que eu chorei na barriga da minha mãe aos 8 meses de vida, então, por essa razão, eu recebi o nome de Auritha na hora do meu nascimento. Então o choro na barriga da minha mãe foi o meu primeiro grito de resistência.

Essa missão que a gente acredita que traz, ao chorar na barriga da mãe - nós, indígenas, acreditamos nisso -, é trazer essa força ancestral que a gente carrega desde muito antes dos nossos bisavós e tataravós nascerem. Eu gosto muito de contar essa história, me emociono a cada vez que a minha avó conta ela para mim, porque a cada vez que eu escuto a minha avó falar, tenho um aprendizado diferente. E a frase que vem junto com o meu nome, que a minha avó sempre me diz, é: não esqueça quem você é, o significado do seu nome e não deixe nunca ninguém cortar as pontas das asas secretas com que você nasceu. Essa é a Auritha Tabajara e eu trago isso através da literatura.


Ao longo da conversa, ela falou também sobre a sua produção literária. Sempre por meio da poesia do cordel, explora temas diversos, como as ervas medicinais, chás e remédios caseiros, assunto explorado em seu folheto “Ervas tradicionais: a memória do meu povo” a partir dos ensinamentos da avó. Ou, ainda, a exemplo de sua vivência LGBTQIA+, com seu cordel intitulado “Eu já nasci sapatão” (declamado na entrevista). Munida da escrita cordelista desde que se entende como gente, Auritha faz valer o significado ancestral de seu nome e, brilhante como a pedra que ilumina, registra o sentido da vida vivida tanto na aldeia como no mundo.

 

* * *

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra?  Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud).
 

Relicário | Dia dos Povos Indígenas com Auritha Tabajara (19/04/23) - Parte 1

Relicário | Dia dos Povos Indígenas com Auritha Tabajara (19/04/23) - Parte 2


Compartilhe