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#TBT101 | Bell Puã: expressão artística e luta decolonial na literatura

30.01.25 - 11H25
Relicário

Da esquerda para a direita, Bell Puã e Janaína Serra, em 2024.

 

Por Mateus Paegle


A poesia, enquanto arte literária ou palavra falada, pode nos provocar e fazer refletir sobre diversos temas, questões sociais e sentimentos, através do uso criativo da linguagem composta em versos. É pensando na força desse gênero literário e como ele também pode representar uma ferramenta de combate ao racismo e ao machismo, que o #TBT101 desta semana vai recordar a entrevista da escritora, historiadora e cantora pernambucana Bell Puã ao programa Relicário. A conversa com Janaína Serra foi ao ar no dia 23 de outubro de 2024, na semana em que Bell lançou seu livro de poemas “Nossa História do Brasil: Pindorama e Poesia”.

Bell Puã é autora de obras como “É que dei o perdido na razão” e “Lutar é Crime”, que a levou a ser finalista do prêmio Jabuti de literatura na categoria de poesia. Além de escritora, Bell Puã é uma referência nas batalhas do Slam de poesia, tendo vencido, como representante de Pernambuco, a batalha do Slam BR de 2018. Título que a fez representar o Brasil no campeonato mundial realizado na França, no mesmo ano.

Na edição do Relicário que escolhemos relembrar, Bell Puã fala mais sobre a importância da poesia falada, representatividade e luta decolonial na literatura, além do seu já citado e então recém lançado livro “Nossa História do Brasil: Pindorama em Poesia”. A obra literária composta por poemas foi fruto de pesquisas da escritora sobre os passos do povo negro, indígena e do subalterno ao longo da história do Brasil. A obra tem textos divididos em quatro capítulos, que representam recortes dos séculos de história do nosso país desde a colonização europeia. Confira um trecho da conversa:

Janaína: Olha, você está mesmo entre a música e a poesia, né? E aí, assim … poesia escrita ou falada?

Bell: Boa pergunta. Então, eu acredito que a poesia falada ela vem com a missão maior do que a vontade de escrever a poesia é a vontade de que ela seja pulverizada, que ela seja espalhada mais ainda. Eu costumo sempre lembrar como a literatura, apesar de ser uma forma de expressão artística que hoje já gera muitas discussões diversas sobre o decolonialismo na literatura, a presença das mulheres, das mulheres negras, ainda é, no meu ver, a expressão artística mais elitista que a gente tem, mais apegada a instituição do livro. Eu gosto de lembrar que o ocidente costumava chamar, por exemplo, as religiões de matriz africana de “religiões sem livro”, como modo de diminuí-las. Como se fosse algo do tipo: “ah, não tem livro então não tem a legitimidade”. Já a poesia falada ela carrega uma memória muito cara para nós, pessoas negras, de ser uma herança de griôs, uma herança de cultura falada que dá valor à palavra. Essa expressão que usamos “você me dá sua palavra” é uma expressão que vem de África, que a gente aprende através dessa herança a importância de a palavra falada ter a legitimidade sem a necessidade de uma assinatura embaixo, sem a necessidade da escrita.

Janaína: Você tem o universal do ser humano, mas você tem o existir enquanto mulher negra, que faz com que os temas universais também tenham suas singularidades. Hoje, a geração de 20 e poucos anos, já cresceu com a lei que instituiu a obrigatoriedade de história afro brasileira na literatura. Eu não tive isso, então vou pesquisar sobre e nisso eu também vou me encontrando e descobrindo muitas coisas. Queria que você falasse um pouco sobre essa ideia de que trazer a literatura afro poderia significar negar uma outra literatura que não seja essa. Eu não entende assim, entendo que você expande o conhecimento, mas queria te ouvir sobre isso.

Bell: Eu acho que qualquer forma de a gente se limitar, no sentido do processo criativo e sobre o que o atravessa, faz a gente perder. Se a gente diz que não vai ler um autor porque ele é branco a gente está perdendo, porque não é esse o ponto. Não é para deixar de ler o autor branco, mas sim se perguntar porque é que as autoras mulheres, porque as autoras negras são tão menos lidas e tão menos faladas, o ponto é esse. Para mim, nunca deixaram de ser referência Carlos Drummond e Manoel de Barros, são duas grandes referências para mim, mas o ponto é, porque Carolina de Jesus não foi falada na escola como Drummond foi falado, porque eu tive que ir atrás e conhecer a obra dela na universidade se lá em Oxford, nesse ano e há alguns anos atrás tiveram eventos em homenagem a ela? Uma autora que é traduzida em 14 línguas diferentes e o próprio país dela não coloca ela no pedestal que ela merece. A ideia é colocar o dedo na ferida para entender, até porque a gente sabe o motivo de escritoras como Conceição Evaristo, Elisa Lucinda, Miriam Alves ou a própria Carolina não serem colocadas em evidência como outros autores são, que é o processo de apagamento da nossa história, o processo de apagamento da nossa marca e também de ir podando as referências do nosso povo. Então não precisamos, de forma alguma, abandonar uma literatura que não é feita por mulheres negras, mas questionar e não deixar por baixo o fato de que existem muitas negras fazendo história no Brasil, que precisam ser faladas e vistas.

Janaína: Quando você faz um livro em que você traz a poesia para história ou a história para a poesia, essa escrita é uma forma de entrar na disputa de narrativas?

Bell: Com certeza, esse livro tem muito um “quê” de entrar numa disputa e trazer a narrativa decolonial a partir de uma mulher negra que é do Nordeste, que é de Pernambuco, do Recife, e que está falando sobre uma história do Brasil que não somos acostumados a ver na história oficial. Eu divido esse livro em 4 capítulos, pensando os períodos que consideramos da história do Brasil, que é a partir da invasão européia, existia muito Brasil antes dessa invasão, mas começo a partir daí. Primeiro: “Invasão Européia, do Século 16 ao 17”; segundo: “Um País Inteiro Cabendo Dentro da Casa Grande, do Século 18 ao 19”; capítulo três: “O Candor Pelo Ser Colonizado, Século 20” e capítulo quatro: “Nada Está Pleno, século 21”. Então o livro é dividido dessa forma, de um jeito em que minha prioridade foi trazer a narrativa, os feitos da resistência negra e da resistência indígena no Brasil, porque acho que isso faltou muito para mim e eu não queria que faltasse, por exemplo, para meu filho e também para outras pessoas que querem e buscam referências sobre si mesmos e sobre sua própria história.

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Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no YouTube. Toda quinta-feira publicamos a coluna #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a 101.5 trouxe na grade de programação.


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