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#TBT101 - A inspiração de Margareth Menezes nas raízes culturais do Brasil

19.01.23 - 15H03
Margareth Menezes
Imagem de Wallace Robert


Por Luiz Rodolfo Libonati

Nome essencial na forte tradição dos artistas baianos que levam na arte as temáticas da afrorreligiosidade e da ancestralidade negra, desde cedo em sua carreira, Margareth Menezes buscou representar em obra a riqueza sociocultural que a formou também enquanto pessoa e cidadã brasileira. Iniciou trajetória nas artes ainda nos anos 1980, no teatro, mas ao fim da década os rumos inevitáveis da vocação anunciavam a que viria verdadeiramente: cantar o povo, a Bahia e o Brasil em sua imensidão cultural.

Agora Ministra da Cultura, ela estende seu potencial de abordagem e diálogo ao desafio de reorganizar o Ministério da Cultura, desativado logo ao início do governo Bolsonaro, e reerguer as políticas de incentivo à cultura.

Em fevereiro do ano passado, no BR-101.5, Gabriele Alves recebeu a cantora via videochamada para saber melhor sobre Terra Aféfé, single que Margareth lançava àquela altura, e a influência dos elementos religiosos de matriz africana na estética de sua arte. A dupla ainda conversou sobre o fluxo criativo dos trabalhos e parcerias profissionais da artista.
 

Gabriele Alves: A gente conversou no ano passado sobre o Festival AfroPop e agora você trazendo essa novidade que é esse single, que tem parceria com Carlinhos Brown. Eu queria, Margareth, que tu contasse, pra quem tá ouvindo a Frei Caneca, sobre a história por trás dessa música, porque eu sei que tem uma história muito bonita de como ela nasceu.

Margareth Menezes: Pois é, a música é isso, é inspiração, tá no ar e a gente às vezes consegue captar umas coisas muito legais. Eu vi e mandei pra Brown uma imagem de um redemoinho de vento assim, que ia nascendo num lugar, uma coisa linda. Tem aqueles furacões que chegam acabando com tudo, mas esse era bem suave, tinha um encantamento ali. Mandei pra ele. E a gente sempre tem essas conversas de vez em quando, a gente se parceiriza há muitos anos, e falando sobre o encantamento daquela imagem, a ligação com manifestação de Iansã, o orixá ligado ao vento, eu falei pra ele: “Mas, mermão, eu quero mesmo é uma música, uma coisa diferente”. Aí poucos minutos depois ele começou a mandar os pedaços da música. Eu falei alguma coisa também que ele aproveitou.

E aí nasceu a música ‘Terra Aféfé’, que fala dessa presença, dessa maneira de enxergar a divindade, com a orixá Iansã, e também da força feminina, do poder feminino. “O universo é uma cópia da barriga da mulher”. Ele veio com essa frase que me impactou muito. Então a gente juntou essas duas ideias e trouxe essa música, que nasceu desse movimento do vento, uma coisa muito bacana.

Gabriele: E é uma coisa linda ouvir você contando sobre isso principalmente porque essa exaltação da mulher que você tá falando, que Carlinhos colocou na letra, é uma coisa frequente no seu trabalho, né? No seu último disco, a gente acompanha faixas como ‘Mãe Preta’. Tem também ‘Minha diva, minha mãe’, que faz parte do (álbum) ‘Autêntica’, de 2019. É uma coisa frequente no seu trabalho, né, Margareth?

Margareth: É porque, principalmente nesse projeto ‘Autêntica’, foi uma das temáticas mesmo. Era a minha visão mesmo, feminina, eu como mulher, falando de vários assuntos. ‘Minha diva, minha mãe’ é uma homenagem à minha mãe mesmo, eu chamo ela de Diva, e mulheres também inspiradoras pra nós. Porque eu acho que é importante a gente falar sobre isso neste momento. O nosso país é um país onde acontece feminicídio a todo instante. Precisamos entender um pouco qual é esse lugar da mulher na vida da sociedade e o respeito à imagem da mulher e suas potencialidades. Então “o universo é uma cópia da barriga da mulher” porque todos os elementos que contém na natureza, contém no nosso corpo também - fogo, água, ar, terra. Os elementos e princípios químicos também. Então tudo isso, essa gestação acontece dentro da barriga da mulher.

Queiramos ou não queiramos, é a mulher, é o feminino esse lugar onde se gesta a vida, cresce, a gente se transforma, o corpo ganha forma, é uma coisa linda essa força. Isso tem que ser respeitado. A imagem da mulher com a sua liberdade, assim como Deus criou a todos nós. Então estamos precisando falar um pouco sobre isso e defender a liberdade de ser. Essa frase é muito forte, por isso, faz a gente refletir sobre a força do feminino.

Gabriele: E que é tão bem representada, minha gente! Eu estou me segurando aqui pra gente falar sobre esse clipe com Margareth. É muito bem representada toda essa força dentro do videoclipe. Antes de chegar lá, Margareth, eu queria que tu contasse também sobre essa experiência de falar sobre o orixá, invocar essa presença de Iansã, de Oyá dentro desse videoclipe pra ornar junto com essa exaltação feminina.

Margareth: As religiões de matriz africana não começaram agora. Lá na África, tem a sua história. Porque cada povo, cada lugar do mundo tem uma forma de interpretar a presença do sagrado e essa é a maneira dos africanos. A África é muito grande, são mais de 50 países. Cada lugar tem a sua linguagem, isso é natural. Assim também como existe o catolicismo, o budismo… Então, temos que respeitar a forma das pessoas interpretarem. Essa questão que hoje a gente tá vendo tanto: por que essa demonização dessa religião trazida pelos africanos pra cá, e que foi um suporte pra poder se libertar também da escravidão, e que nos traz também muitas colaborações, na nossa culinária, na nossa cultura? Todas essas coisas são negativas? Por causa de quê? Então isso a gente precisa separar um pouco.

A gente pode não gostar, pode não querer conviver, mas precisa respeitar o espaço do outro de manifestar sua fé. Então é com essa visão também, porque a gente precisa aprender a respeitar a fé de todo mundo e saber que tá bom pra quem tá lá, que se as pessoas estão fazendo o bem, estão se sentindo bem, cada um é responsável pela sua ligação com Deus. Ninguém precisa interferir. A religião africana tem essa maneira de se relacionar com o divino e tem também uma ligação com o invisível, um desdobramento da prática da fé.

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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)


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