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#TBT101: O papel da educação na luta decolonial e antirracista

20.02.25 - 14H29
Mamas Minas e Manas

Trecho da entrevista no Mamas, Minas e Manas, em 2024. (Foto: Reprodução/YouTube)

 

Por Mateus Paegle

Na luta contra as diversas formas de discriminação racial, não há duvidas de que educação desempenha um papel de base fundamental, sendo o meio de levar a população o esclarecimento necessário para questionar e contestar estruturas que permitem a reprodução deste tipo de preconceito. É pensando sobre a necessidade da educação antirracista na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que o #TBT101 desta semana relembra o episódio do programa Mamas, Minas e Manas, em que Janaína Serra conversou sobre os desafios da educação na luta contra o racismo com as professoras Amanda Cruz, Dayse Cabral de Moura e Maria Emília Vasconcelos.

Formada em Letras e Artes Visuais pela UFPE, Amanda Cruz foi entrevistada como Auxiliar de Desenvolvimento Infantil na rede municipal de ensino da Prefeitura do Recife. Dayse Cabral de Moura possui Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Educação, sendo uma das entrevistadas como Professora do Centro de Educação da UFPE e membro da gestão do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFPE. Já Maria Emília Vasconcelos é historiadora e participou do Mama, Minas e Manas como professora de Cultura Afro-Brasileira na UFRPE. A edição do programa Mamas, Minas e Manas que contou com estas três convidadas foi ao ar no dia 22 de outubro de 2024.

Confira alguns trechos:

Janaína: Não é recente a gente ouvir que a educação transforma, então eu queria que vocês falassem um pouco sobre os desafios de aplicar práticas que podem ser transformadoras por pessoas que estão em processo de desconstrução. Porque isso que a gente está falando, né? Luta decolonial, antirracista, isso é relativamente novo e que está ali no chão, que está dando aula, quem está nas universidades já precisa se desconstruir. Então eu queria que vocês falasse sobre isso, sobre esses desafios de a gente aplicar práticas que podem ser transformadoras, antirracistas e decoloniais por pessoas que estão em processo de desconstrução. Para isso a gente precisa explicar o que seria uma educação antirracista e decolonial. Queria que vocês falassem um pouco sobre essas questões que coloquei aqui.

Maria Emília: Vou começar falando que quando estou aqui pensando em educação, principalmente por já ser tia há bastante tempo e ser mãe, com um filho de 1 ano e 5 meses, quando estou pensando em educação eu estou pensando na educação escolar, mas naquela educação voltada para a forma como a gente lida uns com os outros, inclusive no nosso ambiente doméstico. Então para mim isso tem se colocado como uma questão muito presente, principalmente por ser negra e por ser mãe de uma criança negra, então isso tem me tocado mais ainda. Ainda que a disciplina que eu ministro na universidade para formação de professores seja uma disciplina que é resultado de uma luta política de bastante tempo do movimento negro, ela só existe a partir de 2003, quer dizer, ela passou existir como uma disciplina que era optativa e depois se tornou parte da grade, com a promulgação da lei 10.639, que instituiu que é preciso ter uma disciplina de história e cultura afro brasileira em todos os níveis de ensino na rede pública ou privada. Então a discussão sobre educação antirracista ele já está presente na minha disciplina.

Eu penso a  educação a partir desse eixo. Para mim tem se colocado como uma questão central, porque eu dou aula para pessoas para pessoas que vão atuar no fundamental 2 ou no ensino médio, mas também tem uma questão que a gente precisa lidar muito de frente que é pensar uma prática antirracista na primeira infância, para mim isto tem que ser colocado na ordem do dia. Eu entendo que uma educação antirracista é aquela que coloca como eixo central, de forma positiva, as criações, os feitos, a biografia, a contribuição das histórias negras e indígenas, dentro ensino de qualquer disciplina, no meu caso na disciplina de História.

Dayse Moura: Coincidentemente, ou melhor, não é uma coincidência, Maria Emília, também ministro a disciplina Educação das Relações Étnico Raciais, na UFPE. Na verdade eu criei a disciplina em 2011 e desde então ela vem sendo ministrada ainda na perspectiva de uma disciplina eletiva, mas a gente tem a esperança que com a mudança curricular ela se torne obrigatória, como orienta a legislação. Faz uns 2 anos que estou impossibilitada de ministrá-la, por questões operacionais e divisões de currículo e por questões que eu posso relacionar a perspectiva da universidade e como ela percebe o racismo e como ela ministra o próprio racismo. Bem, este é um outro tópico. Mas eu percebo que a gente ainda vivencia uma sociedade que repete muito o mito da democracia racial, sabe? Vivemos num país que tem essa dubiedade de não assumir-se racista. Então uma pedagogia e uma prática antirracista, aí falando das práticas escolares e não escolares, educação formal e informal, mas aqui tocando especialmente para a educação formal, a educação desenvolvida dentro das instituições de ensino, ela já precisa partir dessa perspectiva de reconhecer que a gente convive e vive numa sociedade racista, que tem o racismo como uma estrutura de base, começar a entender como o mito da democracia racial nos escraviza, de certa maneira, numa perspectiva ideológica mesmo, como ele hierarquiza as relações e naturaliza as situações de desigualdade e como isso reverbera no nosso cotidiano, nas nossa relações e também na escola.

Então a escola, dentro do seu projeto político pedagógico deve ter já como eixo uma prática antirracista. A gente fala muito de democracia, de uma escola mais democrática, e hoje a grande pergunta que podemos fazer e pontuar é: a escola pode ser democrática se ela não é antirracista? A escola não pode ser inclusiva se ela não é antirracista. Então um dos primeiros eixos na educação antirracista é pensar essa concepção de inclusão, do respeito à diversidade, às diferenças e as relações raciais. Acho que caminhamos há muito tempo, junto com os movimentos sociais negros, na luta para reconhecer a ecucação como um instrumento muito potente, para a gente poder criar ferramentas e dispositivos de relações mais democráticas, mais inclusivas e antirracistas (...)

Amanda Cruz: Como Auxiliar de Desenvolvimento Infantil da rede municipal, trabalho na creche Miguel Arraes Roda de Fogo, que tem cerca de 300 crianças na unidade. Nossa comunidade ela fica localizada no bairro dos Torrões, com uma forte presença da comunidade Roda de Fogo. Então lá nós temos muitas crianças negras, muitas crianças de baixa renda, que vivem essa realidade que nós estamos tentando reconstruir. E aí eu queria puxar o decolonial, o que que é esse decolonial? Por que que eu estou falando em reconstruir a nossa educação? E aí as meninas falaram, Dayse e Emília, sobre como é importante essa educação começar na primeira infância, porque a gente está começando pelo ensino superior e voltando para o ensino fundamental. Estamos começando do eixo mais avançado da educação, ao invés de começar pelo começo, que é a educação infantil. Esse decolonial significa o que? Nossa estrutura de ensino, nosso currículo educacional, ele é colonialista, por que? Porque o Brasil foi colonizado por Portugal e quando Portugal fundou as primeiras escolas aqui ele trouxe um modelo europeu de ensino, um currículo que era francês, os professores eram franceses, de todos os conteúdos que você pode imaginar. Então em toda essa estrutura curricular, toda grade curricular e o que que é importante de ser estudado em História, Geografia, em Matemática em Português, isso não foi em nenhum momento pautado nas culturas já vigentes aqui, nos povos já vigentes aqui, muito menos naqueles que foram trazidos e escravizados, que não foi um povo, foram vários povos que foram retirados de seus reinos, seja em Luanda, seja em vários países africanos e não africanos também, já que hoje a gente sabe que existia a escravidão também na Europa, no Egito. Então a escravização de um povo ela já era existente na cultura européia fruto de lutas por território, disputas por ambientes, muitas guerras e disputas de poder, faziam com que aqueles que prevalecessem pela força dominasse um outro povo e o oprimisse.

Essa lógica é trazida para cá através da colonização e isso é trazido estruturalmente no currículo educacional, isso foi trazido sem pensar em adaptar para o povo, para a cultura e para a geografia local. Então a gente vivia nas primeiras escolas fundadas por Dom Pedro uma estrutura curricular completamente trazida da Europa. Então não consideravam a cultura indígena local, muito menos os povos africanos, de onde eles traziam, o que era importante para eles, qual era a religião deles, quais eram os deuses deles, qual era a política deles, qual era a matemática deles. Hoje tem uma discussão na universidade de relações étnicas, matemáticas, de tudo.. mas isso está sendo de agora. Mil anos de Brasil colonizado, de uma educação colonizada e só agora que a gente está mexendo na estrutura desse currículo. Veja, Dayse falou que fundou a disciplina de relações étnico raciais de 2000 para cá, 2003 a primeira citação dessa disciplina e 2011 a segunda citação dessa disciplina que as meninas falaram antes. Então é uma coisa muito recente, a gente não muda 1000 anos de estrutura curricular em 10 ou 20 anos de educação que está ali na universidade, ainda mais porque ainda está como uma disciplina eletiva, como Dayse disse, paga quem quer, quem não quer não paga, não cursa, não aprende sobre isso. Então hoje estamos num processo lento de reorganizar esse currículo e qual o nosso objetivo? Devolver o protagonismo para essas pessoas que foram invisibilizadas durante esse processo de colonização (...)

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Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no YouTube. Toda quinta-feira publicamos a coluna #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a 101.5 trouxe na grade de programação.


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