Liz Guimarães. (Foto: Reprodução/Internet)
Por Mateus Paegle
Estamos acostumados a participar de eleições em que tanto homens quanto mulheres têm direito ao voto. Mas nem sempre foi assim. Até o século XIX, a participação nas decisões políticas nos regimes ao redor do mundo era exclusividade dos homens. Foi a partir de 1893, quando ganhou força o movimento sufragista, que as mulheres passaram a conquistar o direito de votar e serem votadas na maioria dos países.
No Brasil, a onda de conquistas do movimento sufragista chegou em 24 de fevereiro de 1932, quando as exigências pelo direito das mulheres ao voto foram atendidas pelo então presidente Getúlio Vargas, através de um decreto presidencial. Em 1933, houve a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, a primeira com votos femininos. Hoje as mulheres compõem a maioria das pessoas aptas a votar em grande parte do território nacional.
Neste ano de 2024, temos eleições municipais e a participação das mulheres na escolha dos representantes políticos segue sendo de fundamental importância. É por isso que o #TBT101 desta semana relembra nossa entrevista com a pedagoga, educadora popular e integrante da Rede Mulheres Negras Evangélicas, Liz Guimarães. O papo foi com Priscila Xavier, no programa TPM - Tempo Pra Mim e teve como tema “As mulheres e o voto”. O programa foi ao ar próximo ao período eleitoral de 2022, em 17 de outubro daquele ano.
Priscila: O tema do nosso programa está bem abrangente, depois a gente vai trazendo esses recortes da religiosidade, do gênero, de raça. E aí eu queria perguntar primeiro para você, queria que a gente começasse falando sobre a importância do voto. Porque é algo histórico que as mulheres conseguiram relativamente, olhando para a história, há pouco tempo, e a gente precisa dá um passo para trás e olhar para isso, repensar sobre a importância desse voto e depois a gente trás os recortes, que eu queria que você também falasse um pouco sobre.
Liz: Então, não foi um processo natural. Ultimamente a gente tem visto alguns discursos na nossa sociedade de que a emancipação, até mesmo a partir do ambiente evangélico, de que a nossa sociedade vive uma participação maior ou uma emancipação das mulheres como um processo natural ou dado por alguma força de fora da luta. A conquista do voto e os direitos que nós mulheres dispomos na sociedade hoje não são fruto de um processo natural. Acho que esse é o primeiro ponto que a gente precisa deixar bastante nítido. As mulheres estão nos lugares onde estão, participando nas instâncias sociais que estão, trabalhando, cuidando de suas vidas, alcançando postos importantes de trabalho, de influência, por conta de uma luta, e uma luta bastante árdua, uma luta que custou a vida de muitas pessoas e no caso das mulheres pretas essa luta continua, porque o nosso avanço em relação a outras mulheres, ainda é algo que precisa caminhar muito. Em constantes situações a gente encontra mulheres pretas que trabalham em situação análoga a escravidão, ou mulheres pretas que vivem em condição absolutamente dependente emocionalmente, financeiramente e socialmente dos seus companheiros.
Mulheres pretas que passam por situação de violência e são invisibilizadas, porque entende-se que aquela mulher pode passar por aquele sofrimento já que se considera aquele corpo vale menos, que aquele corpo, que o nosso corpo pode ser exposto, que o nosso corpo pode sofrer, porque ele é um corpo menos valioso, um corpo que requer menos proteção e portanto tem menos respeito e menos prestígio. Então os processos de emancipação das mulheres que a gente vive hoje são fruto de lutas que aconteceram e continuam acontecendo. Com o voto não é diferente, a dinâmica do voto para nós é cara e, na minha perspectiva, pensando a estruturação pedagógica da nossa sociedade e das nossas relações, também há uma coisa de, pelo processo que deu direito ao voto das mulheres ter sido uma coisa que veio depois do processo dos homens, ele é tido como menos valioso, quando na verdade as mulheres são a maioria dos colégios eleitorais Brasil afora, se não a maioria eleitoral do país.
Priscila: Agora eu queria que a gente fizesse um recorte, considerando o período eleitoral, para pessoas cristãs e progressistas. Como é que entra aí, neste caso, a Rede de Mulheres Negras Evangélicas? Queria que você contextualizasse como se formou, como é a atuação?
Liz: É importante perceber que nós compomos a maioria eleitoral em grande parte do território nacional. As mulheres compõem a maioria das pessoas que podem votar em grande parte do território nacional. Acho que isso é uma coisa que a gente precisa falar e repetir, porque as pautas que estão no ambiente dos nossos, com muitas aspas, representantes, via de regra não contemplam as mulheres, via de regra não favorecem a melhor condição das mulheres, seja nas grandes cidades, seja nos interiores, na educação dos seus filhos, no acesso ao trabalho, na segurança púiblica, no transporte público, no acesso a saúde, no acesso a pauta dos direitos reprodutivos e no acesso a educação. Nós sabemos que as mulheres têm uma presença mais expressiva na educação, por exemplo, por pura resiliência, por pura garra, porque as dificuldades são inúmeras, inúmeras, e nós temos representantes, no Senado e na Câmara Estadual, na Câmara Federal e nos municípios, nas Câmaras Municipais, que não caminham no sentido de políticas públicas que possam favorecer a nossa presença na sociedade.
A gente foi muito educado a pensar no voto a partir de uma vantagem imediata e ainda hoje se fala em compra e venda de votos todas as vezes em que a gente está num processo eleitoral, mas é muito importante que sejamos chamadas, nós que compomos talvez a maioria, ao longo de quatro anos que é um mandato municipal e um mandato estadual, como vai ser a representação daquela pessoa em que eu estou votando agora, no sentido daquilo que vem em encontro as minhas necessidades, das necessidades da comunidade onde eu vivo, da cidade onde eu estou? Então é muito importante a gente abandone essa desqualificação do processo de votar como se fosse um processo imediatista, tipo “vou votar e vou ganhar uma vantagem, vou ganhar um material de construção, vou ganhar uma ponte no meu bairro”, naquele momento do processo eleitoral, mas e no decorrer do tempo de mandato daquele ou daquela representante que eu elegi? Como é que ele ou ela estão trabalhando para de fato fazer do meu lugar de vivência, do meu bairro, da minha cidade um lugar melhor? E da minha pessoa como mulher e das mulheres a minha volta?
Eu acho que é essencial, quando a gente fala da importância do voto, a gente pensar sobretudo no bem viver, que nada mais é do que a melhor maneira que cada um e cada nós tem de viver onde nós vivemos. Abandonar a ideia de que para viver bem eu preciso estar fora dos nossos lugares, que eu preciso me mudar, preciso morar em outro lugar. Não. Os entes representantes precisam trabalhar para que cada lugar, perto ou longe do centro, sejam luares bons, tranquilos e seguros para viver. Então quando a gente fala da importância do voto, a gente deveria substituir os marcadores que a gente tem, que são interessantes para quem exerce o mandato de qualquer maneira. É interessante para eles que ninguém cuide do voto, que aceitem qualquer coisa em troca do voto. Então que a gente abandone isso e não pense apenas no momento da eleição, mas ao longo da representação daquele ente, que é um prestador de serviço.
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Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no YouTube. Toda quinta-feira publicamos a coluna #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a Frei Caneca FM trouxe na grade de programação.
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