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#TBT101 - EDÚN ARÁ SANGÔ E A TECNOLOGIA DOS TERREIROS

24.11.22 - 08H07
Foto de divulgação do grupo Edún Àrá Sangô, em show de lançamento na Várzea. Foto: Adriana Reta.

Foto de divulgação do grupo Edún Àrá Sangô, em show de lançamento na Várzea. Foto: Adriana Reta.

Por Johnny de Sousa

A linguagem é uma arma, uma tecnologia, uma forma ancestral de criar estratégias para perpetuar toda uma cultura. São os ritos folclóricos que nos dão a capacidade de entender a importância da história de todo um povo, que vão além de qualquer aula de história nos ensinada na escola. Não basta assistir só uma aula, um vídeo ou um documentário para saber tratar desse assunto. Para conhecer mesmo culturas diferentes e entrar em contato com ancestralidades, é preciso ter vivência, conhecer pessoas que saibam espalhar esse tipo de sabedoria. São esses os professores que, vez ou outra, conhecemos em momentos específicos, mas que a história, o preconceito e o esquecimento acabam por deixar de lado.

Há um costume bem brasileiro de não saber muito de onde vêm as coisas, fazendo o povo acreditar em fatos históricos infundados, como uma suposta “revolução militar” no ano de 1964, quando bem sabemos que o nome correto para este acontecimento é “golpe”. Sempre costumo pensar que, pra saber pra onde vai, tem que saber de onde vem. Portanto, é importante sempre lembrar que o nosso povo veio, primeiro, de indígenas e pretos. A tradição da África logo se permeou pelo país, deixando costumes fundamentais para nossa cultura. É importante que a gente vá atrás de informações sobre os nossos ancestrais, visto que muitos partilhavam desses ritos e até se comunicavam por essas linguagens. Em reflexões como esta, penso no que diz Chinaina, na primeira faixa do primeiro disco do Sheik Tosado: “Toda casa tem pouco de África!”.

Em agosto de 2022, Gabriele Alves recebeu no BR-101.5 Thulio Xambá e Leonardo Salomão, representantes do grupo Edún Àrá Sangô. A entrevista foi além da base musical do grupo, mergulhando numa reflexão sobre como as sonoridades afro nos remetem à história do povo e, além do mais, como jamais deve-se esquecer da importância da linguagem Iorubá, que, por mais marginalizada que seja, se faz presente nas comunidades e nos anais da negritude no Brasil. 

Gabriele Alves: Eu tô vendo que vocês já passaram por muita coisa, até porque o grupo foi idealizado ainda em 2018. É muito tempo, né? Tendo essa noção, amanhã é que vai ser o primeiro show presencial de vocês?

Thulio Xambá: Isso! Vai ser o primeiro show com uma ideia, também, de pré-lançamento da banda, até porque estamos pensando em fazer apresentações mais elaboradas e maiores. Inclusive, a gente volta aqui, viu? Pra anunciar pra galera e tal (risos).

Leonardo Salomão: Lá no Adupé, vamos fazer um show exclusivamente musical, mas futuramente a gente quer transicionar para algo maior. Transformar o show em espetáculos mesmo, com dança e representações de cada Orixá. Além de, claro, chamar alguns convidados, também. A gente quer mesmo contar a história do Edún Àrá, de onde surgiu nossa mistura com as percussões de Cuba, mescladas com o Nagô pernambucano.

Edún Àrá Sangô não se configura apenas como uma banda, dados os diversos graus de limitação que, de fato, seguram a formação de um grupo exclusivamente musical. Eles buscam transcender a arte e colocar diante do público uma experiência ancestral, e por quê não dizer histórica. Há uma contação de histórias por trás de cada música da banda, por isso é importante ter esses relatos explanados em mais de uma vertente artística, entrando aí a dança e o teatro. 

Nesse momento da entrevista, Gabi explicou um detalhe fundamental, que diferenciou a apresentação do Edún Àrá Sangô naquela noite. O show foi todo feito baseado no Yorubá, a linguagem ancestral dos povos originários e seus Orixás. Leonardo, portanto, explicou o conceito por trás dessa ideia, justificando-o de uma maneira bem simples.

Leonardo: Além da gente falar da nossa ligação com o Candomblé, acho que a importância maior é essa: aceitar ouvir um grupo cantando em Yorubá. Eu falo muito isso, mesmo brincando, que a galera escuta um monte de música em inglês e não sabem nem o que o artista tá falando (risos). Então, por que não cantar em uma língua que é ainda mais importante, que representa nossa raiz? Por que não ouvir uma música produzida pelos Nagôs e começar a aprender os seus significados? Dentro do Candomblé, a língua nos é ensinada através da oralidade, visto que a escrita já é bem mais complicada. Porém, hoje em dia são mais de 30 milhões de pessoas que falam Yorubá, e a gente tá buscando expandir essa tradição para toda a nossa comunidade. Daqui a pouco tá aí, a gente vai comprar pão falando em Yorubá, também (risos).

Thulio: Ei, mas eu sonho com isso (sorrindo). Nem que seja na nossa comunidade, penso em muitas pessoas se comunicando através da ancestralidade. Claro, isso é um processo, assim como eu tento fazer dentro do meu outro grupo, Ori, em que a gente se utiliza de linguagens ancestrais para se comunicar com outras pessoas. A gente começou como um grupo de estudo de cerimônias africanas e que agora está trazendo essas pesquisas pro campo das artes. Muitas dessas pesquisas têm nos ajudado a manter a comunicação através do Yorubá, fazendo com que a gente propague, cada vez mais, a importância dessa língua. É muito massa poder estar nos espaços e convidar as pessoas para conversar sobre o que sentiram ao ver um grupo tocando e cantando nessa linguagem. Normalmente, depois de shows, a gente faz uma roda de conversa para perguntar o que a galera sentiu ao ver nossa apresentação, e a gente percebe que teve gente que se intrigou, que se emocionou. É dentro desses debates que a gente mantém a importância da nossa cultura. Então, você chamar a gente pra conversar na rádio é uma forma da gente entrar na casa das pessoas e falar sobre o nosso lado da história, fazendo com que nos respeitem pelo que somos.

Lucas dos Prazeres, notório músico e agitador cultural pernambucano, uma vez falou em entrevista para Gabi algo que lhe marcou muito, que foi a revelação da oralidade como uma tecnologia. O ato de sentar e conversar com alguém, principalmente sobre algo tachado como desconhecido ou oculto, é a passagem de conhecimento por via da oralidade, uma atividade preciosa sendo posta em prática. Sobre isso, o Edún Àrá Sangô está fazendo do seu conhecimento uma dádiva, visto que ensinam, principalmente, às pessoas que não conhecem o Candomblé, o que significa a tecnologia Iorubá.

Thulio: Essa é uma tradição milenar, né? É uma parada que a gente pratica dentro dos terreiros, que é a onda da roda, a onda de se ouvir, o aprender através dessa formalidade oral. É super precioso e a gente tem que perpetuar essa nossa tecnologia. É isso, nós somos digitais, também, somos palpáveis. Quando a gente se toca, a gente já está gerando energia e tecnologia.

Leonardo: Eu concordo plenamente. De acordo com o que Thulio falou, a gente bota a cara à tapa para poder defender os nossos e nossas, além das tradições mais preciosas que a gente tem. O Candomblé tem saído pra rua, tem gritado para se defender, e estamos aí, usando nossas tecnologias, também, para exigir respeito. A gente busca os espaços públicos não só para divulgar nossos espetáculos, mas também como uma forma de mostrar ao povo de que essas manifestações devem estar em todos os lugares.

Quando pensamos em outros países sul-americanos e caribenhos, com suas influências de religiosidades africanas, é notável que as manifestações dessas culturas são vistas a céu aberto. No meio da rua, se vê uma roda de Candomblé ou toques de tambores ancestrais, dado o respeito que a população tem sobre esses povos. O Brasil, que não abraça sua cultura originária e prefere se mover de acordo com o Norte e o dito Ocidente, tem muito o que aprender com esses gruos, se permitindo adentrar nos espaços tolerantes às manifestações e, então, permitir a entrada justa do povo negro, de forma que sejam representados com mais relevância dentro da nossa cultura.   

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife. 

 

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)


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