Foto: Reprodução/Instagram
Por Marcela Cavalcanti
Quem escutou o BR-101.5 na última segunda-feira, dia 13 de março, percebeu que o programa estava diferente. A data ganhou um novo significado desde 1966, quando Dona Rita saiu do Hospital dos Evangélicos, no Bairro da Torre, carregando o recém-nascido Francisco Assis de França nos braços. Em vez de realizar o trajeto da maternidade até em casa de carro, a mãe do futuro Chico Science optou por seguir caminho de barco pelos rios do Recife. Anos depois, a vida e a obra de Chico continuam pulsantes nas águas da manguetown.
A equipe da Frei Caneca FM preparou um especial para comemorar o aniversário do idealizador do Manguebeat e os 30 anos do manifesto “Caranguejos com Cérebro”. Com apresentação de Gabriele Alves, produção de Marcela Cavalcanti e seleção musical de Lorena Fragoso, o programa contou com vários depoimentos de pessoas importantes na história de Chico e na cena cultural da cidade. Um deles foi o de Maria Goretti, irmã do cantor.
“A gente pode imaginar que alguém que quer muito bem ao outro, que é muito querido, é difícil de perder. A gente não tá pronto pra perder ninguém. Mas o amor, como diz São Paulo, o amor, a fé e a caridade são as maiores virtudes do ser humano. E o amor é a maior delas. Parece uma coisa meio piegas, mas eu percebi isso de uma forma muito clara com a perda de Chico, porque ele se foi, mas o amor dele era a coisa mais presente que eu tinha e que eu tenho até hoje. Eu posso sentir até hoje esse amor. E isso pra mim é uma coisa que me acompanha porque o amor não morre jamais.
Como diz o outro Chico, o Buarque, “amores serão sempre amáveis”. E eu gosto disso. Eu lembro que, na época que Chico morreu, eu ouvia e sentia essa música do Buarque de uma forma muito forte e verdadeira porque eu percebia, sabe... Porque entre nós não ficou nada não dito, esse amor era de fato um amor declarado. E eu acho que vale a pena falar disso porque às vezes a gente não valoriza quem a gente tem do lado, a gente não fala, a gente tem vergonha de dizer que ama quando a gente ama de verdade. E a gente deve demonstrar e falar porque é o que fica de tudo”, disse Goretti.
O cientista, professor e empreendedor Silvio Meira nos contou como a presença de Chico inspirou o seu ofício. “Aquele começo dos anos 90 foi muito especial no Recife. Era um tempo de muita dificuldade, de muita falta de tudo, das pessoas indo embora, era um tempo em que a gente tava precisando ter esperança. O Movimento Mangue e a energia de Chico, que puxava muita coisa lá, fizeram muitas mágicas no Recife, em particular pra gente que tava na universidade, pra mim que tinha voltado há poucos anos da Inglaterra... Era uma coisa que inspirava, que a gente via pessoas em rede tentando criar alguma coisa de classe global, que era também o que a gente tava tentando fazer na universidade.
Nesses encontros às noites, nos dias, pra pensar, pra discutir, pra debater, pra escrever, eu encontrei com Chico muitas vezes. Nos bares, nos shows, nos ensaios, nos restaurantes, nas conversas fortuitas às vezes no meio da rua no Recife Antigo (na época, a gente nem pensava que lá ia ter o Porto Digital)... Uma coisa comum era a energia criativa que nós queríamos ter na universidade e que Chico e as bandas Nação Zumbi, Fred, todo mundo, já tinham. A gente percebia isso. Uma raiz profunda que vinha da batida ancestral da periferia negra do Recife. Esse processo energizou muito a gente pra tentar fazer o que acabou sendo o Centro de Informática da UFPE, que hoje é o maior do Brasil, é o que defendeu mais teses de mestrado e doutorado, é o que tem o maior corpo de professores, é o que está entre os que têm a melhor reputação não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Uma parte significativa da energia para fazer isso veio do exemplo que o Movimento Mangue e que Chico, em particular, davam. “Nós vamos fazer alguma coisa aqui, e vamos fazer daqui pro mundo”.
(...) Quando eu tomei posse como professor titular na Universidade Federal de Pernambuco, no que era ainda o Departamento de Informática, ao contrário das tradicionais orquestras de câmara ou concertos de violão que se usava muito à época para introduzir os novos professores titulares nos seus ambientes de posse, nos auditórios formais da universidade, eu entrei com o som no limite tocando Da Lama ao Caos. E depois que a cerimônia acabou, eu saí tocando Computadores Fazem Arte. Isso foi em 1995 e é parte não só da minha história, mas da história do Centro de Informática da UFPE”.
Companheiro de banda de Chico, Lúcio Maia, guitarrista da Nação Zumbi, relatou que o amigo foi essencial para a sua carreira. “Eu convivi com Chico desde os meus 16 anos até o momento em que ele partiu, em 97, quando já tinha 26. Foram dez anos de uma convivência muito intensa, de muita amizade. Passamos muitas coisas juntos, coisas boas, coisas ruins... Porém, uma coisa não se modificou nesses dez anos de convívio que eu tive com ele: nossa afinidade musical e nossa relação entre amigos, entre parceiros.
Isso é uma coisa que eu vou guardar pra sempre. Eu tenho um carinho muito grande por esses momentos que passamos juntos, a gente criou coisas incríveis. Sem dúvida nenhuma Chico foi uma grande influência na minha vida musical, eu o considero como o meu grande mentor. Não como guitarrista, mas como pesquisador, como músico, como instrumentista. Ele me dava muitas sugestões... Eu vejo Chico como uma peça fundamental na minha carreira, uma pessoa que se aproximou de mim para me transformar no que eu sou hoje”.
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O nosso programa de segunda-feira foi assim, bonito desse jeito! Recebemos muitos outros depoimentos lindos, emocionantes, especiais, e agradecemos a todos que participaram compartilhando conosco as suas histórias e saudades. Obrigada, pessoal! Chico segue presente através das ideias que semeou – e ideias são imortais.
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