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#TBT101 - RELICÁRIO, EDIÇÃO NÚMERO 100

15.12.22 - 09H29
Janaína Serra, apresentadora do Relicário
Janaína Serra, apresentadora do Relicário. Foto: Leandro Queiroz

Por Johnny de Sousa

Que bonito é trabalhar sendo amigo da arte. É nesse companheirismo que me percebo nos encontros, nas dinâmicas, nos intercâmbios mais improváveis dados pela Rádio Pública do Recife. A relação com artistas se dá de maneira muito profissional, obviamente, porém não existem formalidades chatas, muito menos caretices nesse meio. Não, é tudo muito lúdico sem perder a seriedade.

É nessa possibilidade entre o ludismo e o mais sério que o programa Relicário fecha, de maneira muito bonita, os fins de tarde do Recife, na Frei Caneca FM.  Apresentado por Janaína Serra, este sarau radiofônico chegou em sua centésima edição este ano, contando com a participação de vários escritores e escritoras, poetas de várias regiões do país. Além da grande beleza dessa união, saber que tudo foi comandado pela acalentadora voz de Janaína, que transmite calma e serenidade como uma necessária quebra de rotinas pesadas, é um grande privilégio de se ter nas ondas de nossas rádios.

Tudo começa ao som do acordeon usado como trilha e fio condutor do programa. Acho o máximo como combina com a presença elegante e tranquila da voz de Janaína, além de que tem tudo a ver com a temática do Relicário, dando uma ideia de sala fechada, aconchegante, repleta de falas de poetas e um cheiro bom de café forte. É nesse momento que as portas do sarau se abrem e Janaína puxa uma poesia para simbolizar a construção do seu relicário. Sempre que começa um programa, a apresentadora declama um pouco de Adélia Prado, notando que esta é uma grande influência para Janaína. No entanto, destaco um trecho lido por Alex Carvalho, que apresenta o quadro Sessão de Cinema nas quintas-feiras do Relicário — não sendo um de Adélia, mas sim de Lygia Fagundes Telles:

É preciso amar o inútil.
Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
escrever sem pensar em publicar,
fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.

A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida.
A música. Este céu que nem promete chuva.
Aquela estrelinha nascendo ali... está vendo aquela estrelinha?

Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos,
nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha.
Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza.

(Trecho do romance "Ciranda de Pedra", de Lygia Fagundes Telles)

Esse trecho declamado por Alex canaliza muita coisa dentro dessas mais de 100 edições de Relicário. Devo mencionar que cada poesia lida no programa é, de alguma forma, essencial para sua narrativa, principalmente quando se trata de um ambiente de amor, que se permite e deixa permitir respirar arte. É nessa introdução à poesia que a pessoa se leva pela sua espontaneidade, sem banalizar um sentimento próprio pela mais pura vontade de senti-lo. 

Cada poeta e poetisa, nesta centésima edição, representou um tanto de suas vontades e inspirações. Renata Santana declamou amores intensos e sem rótulos, pisando na cara do medo de quem teme o amor sem fronteiras, gênero ou sexo; Renata Pimentel deu início à poesia combativa mais forte que ouvi em tempos, clamando por um país livre em nome da luta sul-americana; Carlos Gomes, por sua vez, me chamou a atenção através de sua poesia musical, mesclando crítica, com prosa e até dedicatórias que não se faz a qualquer pessoa.

Pois bem, posso afirmar que, dentro da subjetividade da poesia, encontram-se significados inesperados. Não é necessário esperar por tais respostas, a não ser deixar que elas cheguem até você, naturalmente, sem a ânsia de um final instantâneo, tão comum de se querer em dias de estresse e trabalhos exaustivos. Todo trabalho é a exploração de um corpo, exige uma exaustão de seja lá qual for a forma corpórea que você queira acreditar. A arte, a poesia que se necessita respirar, é igualmente um trabalho árduo, mas também um remédio para o corpo de qualquer trabalhador, que se guarda dentro das poesias e das memórias do nosso mais precioso relicário.  

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (SpotifyDeezerCastboxGoogle PodcastsAnchor ou Mixcloud.)


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