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#TBT101 | Da problemática ao cuidado: na psicanálise, por que um olhar decolonial para nossas angústias emocionais?

14.03.24 - 08H49
Coletivo Pontes da Psicanálise faz atendimentos na Praça do Derby

(Coletivo Pontes da Psicanálise faz atendimentos na Praça do Derby. Foto: Divulgação)

Por Luiz Rodolfo Cavalobo

O atual momento da nossa vida enquanto sociedade, como nós já bem sabemos, é demarcado por um fluxo informacional inversamente proporcional àquele com que nos é possível lidar. Mas, o que a princípio poderia nos indicar portas abertas para a superação dos flagelos sociais, a exemplo das diversas situações de desigualdade, na verdade, termina por cimentar tais cenários. São heranças culturais coloniais, entre hábitos e costumes cotidianos, que se transformam e se adequam às novas épocas, às novas gerações, aos novos processos de comunicação.

A partir desse contexto, entre as discussões que não perdem a urgência, está o autocuidado. De modo mais específico, o adoecimento emocional e a saúde mental dentro das nuances referentes às populações socialmente vulnerabilizadas. Incluem-se aí populações negras, indígenas, mulheres, pessoas com deficiências, pertencentes à comunidade LGBTQIA+, entre outras.

Junto a isso, um ponto relacionado e igualmente urgente surge: como é que os e as profissionais ligados ao bem-estar psicológico têm abordado tais realidades? Como é que têm se atualizado, enquanto profissionais fundamentais, e aprendido a abordar esses desafios? Será que as abordagens têm dado conta das angústias emocionais vivenciadas pelas pessoas cujas experiências de vida são tornadas ainda mais complexas a partir das variadas disparidades sociais?

Para entender melhor esse cenário, a apresentadora do programa TPM – Tempo Para Mim, Priscila Xavier, recebeu Andreza dos Anjos e Juni Cavalcanti, profissionais da psicologia. Por meio do coletivo recifense Pontes da Psicanálise — cuja atuação segue a sincronia dos eixos autocuidado, formação continuada e atuação política na cidade —, a dupla realiza um trabalho de acolhimento psicológico, pautado na escuta decolonial, a partir de atendimentos individuais e gratuitos na Praça do Derby, no centro do Recife.

Você pode conferir abaixo um trecho do bate-papo que aconteceu em abril de 2023.

Priscila Xavier: Eu queria conversar com vocês sobre os outros dois eixos que vocês tinham colocado aqui também: formação continuada e atuação política na cidade. Como é que esses eixos conversam com o autocuidado das pessoas? Pensando nesse autocuidado de forma mais abrangente. Porque as escutas eu imagino que vocês, que estão atendendo, já vêm ali, né, a pessoa às vezes já sei mais aliviada de poder ter um diálogo, uma escuta qualificada. Mas esses outros dois eixos, como é que conversam, quando a gente pensa em autocuidado?

Juni Cavalcanti: Puxando esse gancho, eu vou ler uma citação de Milton Santos para poder a gente partir daí. Milton Santos era um geógrafo, escritor, cientista, foi um dos grandes nomes na renovação da geografia. Era um homem preto, é importante ressaltar. No texto dele “Metrópole: a força dos fracos é seu tempo lento”, ele vai falar assim: “A cidade é um lugar em que o mundo se move mais e os homens também. A copresença ensina aos homens a diferença, por isso, a cidade é lugar de educação e da reeducação”.

A parte da formação entra aí. Porque nós, enquanto profissionais, temos que estar sempre nos atualizando, estudando, sempre nesse processo de aprendizado. Por isso, os atendimentos e os espaços de formação acontecem ao mesmo tempo. Então, quem está atendendo está no espaço de formação, e aí, a gente vai nesse sentido.

Priscila Xavier: Até para não reproduzir, também, conceitos e coisas que caiam um pouco nessa reprodução do machismo, da misoginia que vocês trouxeram no início. É importante essa atualização de quem está atuando como profissional.

Andreza dos Anjos: É interessante também a gente pensar assim: o espaço de formação é justamente onde a gente vai poder fazer uma rachadura nisso que vem sendo construído enquanto psicanálise, sobretudo aqui em Pernambuco. Eu acho que é importante, se a gente for pensar no autocuidado, pensar numa pergunta que é também uma premissa nossa: quem pode pagar uma escuta psicanalítica? Quem está nos consultórios, quem chega? Qual a cor dessas pessoas, qual o gênero?

É muito importante a gente colocar que o coletivo Pontes da Psicanálise tem o intuito da gente poder pensar o dispositivo clínico para além disso, ou poder, digamos assim, fazer uma ampliação disso que a gente estuda e a que tem acesso enquanto formação. A gente entende que a formação é também um ponto muito fundamental nisso tudo, a educação, por exemplo.

Eu estava essa semana no CRP, o Conselho Regional de Psicologia, e tinha muitos estudantes dizendo que nas universidades, primeiro, tem poucos professores negros ou pessoas trans e, na mesma medida, não conhecem as literaturas como Frantz Fanon e Neusa Santos Souza, que estão escrevendo sobre psicanálise. Então, tem uma falha aí que a gente precisa olhar, para que a gente consiga pensar todas as subjetividades, as vivências e como essas pessoas estão se construindo subjetivamente.
 

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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. O #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud, além do YouTube).


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