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Aos 80 anos, maestro Marlos Nobre celebra a difusão da música erudita entre os jovens

26.09.19 - 16H02
Maestro Marlos Nobre regendo Orquestra Sinfônica do Recife.

(Foto: Andréa Rêgo Barros/ArquivoPCR)

Considerado um dos compositores brasileiros de grande relevância no cenário internacional da música erudita, ao lado de nomes como Guerra-Peixe, Edino Krieger, Gilberto Mendes e Cláudio Santoro, o maestro Marlos Nobre é um dos grandes promotores e incentivadores da difusão do gênero entre os jovens. No ano de seu octogésimo aniversário, o criador do programa Concertos para a Juventude (exibido nas manhãs de domingo pela Rede Globo, nos anos de 1965 a 1984) e atual regente da Orquestra Sinfônica do Recife, concedeu entrevista ao Papo de Artista, onde, além de falar sobre a sua trajetória, destacou a importância das redes sociais para a difusão da música entre os jovens.

Manoel Constantino: A atividade e a arte renovam a alma da gente, não é? 

Marlos Nobre: Eu diria mais, renova o corpo e a alma. Tenho a impressão e isso está constatado, que a  atividade musical ou qualquer atividade intelectual mexe com certos neurônios, com o corpo humano e projeta uma espécie de sensação de vitalidade. Eu sinto isso. Eu tenho essa certeza.  

M.C: Maestro, uma coisa muito curiosa: o senhor começou a estudar música muito novo, e aos 21 anos já estava ganhando prêmios. Qual foi o impacto naquela época, quando ganhou um prêmio nesse nível? (Nota: em 1959, foi premiado no concurso de compositores, com obra em Homenagem a Ernesto Nazareth)

M.N: Foi incrível, né? Foi incrível porque estava no Recife e soube do concurso nacional dos músicos do Brasil, um concurso onde só os grandes compositores do país participavam. Tinha acabado de fazer vinte e um anos na época e mandei o meu trio para piano e violoncelo que escrevi aqui no Recife. Então, um dia eu cheguei em casa e tinha um telegrama: “Comunico a V.Sª, que recebeu o primeiro prêmio no concurso de música do Brasil”. Realmente foi uma coisa impressionante. Foi uma revolução no meio musical, não só aqui mas no Brasil inteiro. A coisa foi tão incrível, que os críticos todos falaram coisas incríveis, de estímulo. Foram críticas estrondosas. 

M.C: A partir daí, o maestro Marlos Nobre correu o mundo, vários prêmios internacionais, nacionais e, além de compor o que ele compõe, obviamente. Desde 2013 ele está aqui na Orquestra Sinfônica do Recife, e criou um programa que eu acho extraordinário, que é o Concertos para a Juventude (Nota: o programa foi apontado pela Unesco como modelo para a divulgação de música clássica). Como foi essa ideia de criar esse programa que hoje já faz parte do patrimônio do Teatro de Santa Isabel?    

M.N: É, inclusive eu espero que continue quando eu sair daqui. Você sabe que fui diretor também da Rede Globo na parte de música nos anos setenta, por aí. Eu fiz o Concertos para a Juventude na televisão. Eu apresentava e fazia concursos para jovens, inclusive o coral daqui do Recife foi lá e tirou o segundo prêmio. Eram concursos de corais, concursos de jovens, concursos de jovens pianistas… Enfim, isso foi tudo naquela época. Eu tive uma repercussão no Rio, a partir do prêmio. Uma repercussão um pouco assustadora, porque eu era estudante ainda, e a crítica chegou a dizer que “Marlos Nobre era herdeiro de Villa-Lobos”. 

M.C: Maestro, nesses anos em que está aqui na Orquestra Sinfônica do Recife, como o senhor analisa essa recepção dessa estudantada com o projeto Concertos para a Juventude? É importante a sua percepção de como esses adolescentes e essas crianças recebem a música clássica. 

M.N: Eu acho isso extraordinário. Esse, para mim, é o projeto mais querido, porque eu vejo o Teatro de Santa Isabel lotado com garotos, crianças de sete anos, oito anos e até menos… e já adolescentes. O que me entusiasma é que ao explicar as músicas e a obra, eles ficam realmente entusiasmados. Depois, quando termina o concerto, eles correm pra me abraçar. Eles sentem um prazer… eu acho que estou lançando uma semente muito boa, porque eu sei o que que é isso, eu vivi isso. Mas não tinha na época um Concertos para a Juventude. O concerto oficial é à noite, às vezes muitas crianças não podem vir, é claro, têm aulas. Aí vêm as crianças das aulas com os professores. E vêm com celulares, e tiram fotos… é uma festa. Eu vejo isso como uma semente muito profunda. Eu espero que isso não acabe nunca. Recife precisa ter um projeto como esse de forma contínua. 

M.C: Maestro, voltando para o olhar sobre a música clássica nacional erudita, qual a perspectiva hoje, na altura dos seus oitenta anos, com essa experiência, com essas premiações, com essas viagens pelo mundo inteiro fazendo música…Qual a perspectiva que o senhor vê hoje para a música clássica erudita brasileira?   

M.N: Bem, eu acho que está havendo uma mudança muito boa, por exemplo, nas orquestras do Brasil e também com os intérpretes. Há uma mentalidade muito boa criada nesses anos todos. Antes, em 1960, os intérpretes brasileiros não tocavam música brasileira. Tocavam só o repertório e achavam que era uma coisa… nem Villa-Lobos era tocado. Villa-Lobos era tocado por alguns intérpretes amigos dele. Então, hoje em dia, depois de muito trabalho, nós temos muitos jovens compositores. Até me espanta, porque são mais de trezentos compositores em atividade no Brasil. Isso por um lado é bom e por outro cria certos problemas, porque não há espaço nas orquestras pra tocar tanta gente. Então, existe um projeto chamado Bienal de Música Brasileira que é feito duas vezes por ano. Eu dirigia o programa na Globo e a Funarte era a grande incentivadora da música. E eu fazia o seguinte: para o intérprete ganhar uma bolsa para fazer uma viagem - às vezes eles faziam de oito a dez concertos no Brasil, chamava-se a Rede Nacional de Música -, eu exigia que eles tocassem música brasileira. Se não tocasse música brasileira nem entrava no edital, era uma exigência. Isso começou a fazer o que? A necessidade dos compositores de escreverem música nova, pois havia intérpretes pra tocar. Isso já faz um certo tempo. Então, hoje em dia, os intérpretes começam a tocar muita música e pedem aos compositores: “Ah, me faz uma obra”. A minha preocupação é que os compositores sejam tocados, não adianta você escrever e guardar na gaveta.        

M.C: A questão da difusão, a divulgação… Isso faz com que alimente até uma cadeia produtiva.

M.N: Exatamente, aquilo não circula… não circulando, os compositores começam a se amontoar. Inclusive, eu digo que hoje em dia nós temos uma coisa muito boa que são as redes sociais e os canais de difusão, como o YouTube. Eu sempre digo aos meus alunos que, quando a peça é boa, coloque no YouTube. Eu abri o meu canal do YouTube há dez anos e hoje tem, mais ou menos, trezentas mil visualizações… é muito grande. Porque as pessoas não têm acesso à uma obra que eu escrevi… por exemplo, “Rhythmetron” (Nota: Composta em 1968, a obra chamou a atenção de Arthur Mitchell, então diretor do The Dance Theatre of Harlem, de Nova Iorque) não é todo mundo que pode tocar essa obra aqui no Brasil. Então, estando no YouTube, começou um movimento muito interessante de difusão da música.      

M.C:  Através da tecnologia, eu acho que traz um benefício para a música de alguma forma, né?    

M.N: Muito grande. Os celulares, hoje em dia, têm uma função tremenda de difusão da música. Antes, as pessoas não tinham como divulgar. Hoje em dia elas botam no Facebook...

M.C: Mas vamos falar uma coisa… a emoção de uma orquestra ao vivo é bem diferente, né?

M.N: Oh, sim. Sim. Eu sempre digo que é impossível captar a essência da música, se não for ao vivo. É outro papo, né? O som de um teatro é um som diferente. Por mais aperfeiçoada que seja a técnica de gravação, ela nunca corresponde à realidade da música ao vivo.

M.C: Maestro, o nosso tempo está acabando, foi um prazer. Gostaria muito de agradecer e espero ter outra oportunidade pra continuar outros papos. Gostaria que o senhor dissesse  algumas coisas pros nossos ouvintes da Frei Caneca FM, a rádio pública do Recife. 

M.N: Olha, aos ouvintes da Frei Caneca, eu queria mandar o meu abraço, o meu carinho… Esta rádio é importante aqui em Recife, em Pernambuco. Através dela, vocês entram em contato com coisas novas. Coisas que vocês não tem acesso pela mídia normal, nem no jornal. Você fica informado. Então, parabéns à rádio e a você por esse programa tão maravilhoso.

M.C: Muito obrigado, maestro. Um feliz aniversário. É muito importante a sua presença aqui no Recife e no mundo inteiro.

Manoel Constantino apresenta o quadro Papo de Artista, veiculado toda quarta-feira, às 17 horas, no programa Revista Difusora. 


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