‘Posso mudar o meu destino' (2021), técnica mista sobre tela, 30 x 29 cm. (Foto: Arnaldo Sete/Divulgação)
Por Johnny de Sousa
Em maio deste ano, escrevi um dos meus primeiros #TBT101, que foi sobre os afro futurísticos Barbarize, em que, numa entrevista realizada em 2021, comentavam sobre o lançamento do emblemático "Sobre Vivências Periféricas”. Não apenas falando sobre o EP, a dupla comentou sobre a necessidade de uma iluminação sobre a efervescência cultural dentro das comunidades, se colocando como sobreviventes da violência, da pandemia e da opressão que tomava o país naquela época. Como prova de resistência, eles fizeram música.
Continuando no tema de retratar a periferia por via da arte, venho aqui falar de Jeff Alan, que, em linhas espirituais, desenha o seu bairro em nome da proteção dos seus conterrâneos. Se apropriando de um literal elemento da natureza, “Comigo Ninguém Pode” foi além de uma exposição de arte, mas sim um mantra utilizado para sobreviver diante de tempos sombrios, onde minorias lutam pelo reconhecimento de suas origens. A presença de alguém como Jeff nas artes visuais é fundamental, visto que através de suas tintas e telas é possível abrir portais para sonhos nunca antes dados aos velhos, adultos e crianças da comunidade do Barro.
Foi em setembro que Jeff veio ao BR-101.5 falar com Gabriele Alves sobre as suas vivências e maiores fontes inspiracionais. Além da planta que batiza a exposição, “Comigo Ninguém Pode” é um mantra poderoso, um campo de força para impedir que forças estranhas caiam sobre o nosso local de origem, da nossa gente e da nossa história. Buscando força e proteção entre seus iguais, Jeff Alan conta a sua história.
Gabriele Alves: A exposição está rolando na Casa Estação da Luz, na cidade alta de Olinda. Rolou uma abertura para convidados e, agora, já está disponível para visitação. Como tem sido, Jeff?
Jeff Alan: Tá sendo massa, muita gente passou por lá e se identificou com o trabalho. Já chegaram escolas, colecionadores, e, também, o pessoal do meu bairro, que esteve presente no dia da abertura e tem frequentado muito a exposição. É muito importante isso, pois são pessoas que raramente frequentam esse tipo de lugar, sabe? No dia da abertura, saímos todos juntos numa van. Pessoas de diferentes gerações, mas dentro de um mesmo propósito. Foi uma noite memorável e muito feliz, não só para mim, mas para todos os meus e minhas que se sentiram representados (as) na minha arte; a exemplo de Ednaldo, um menino de 9 anos que faz parte da mostra e que ficou muito feliz por estar lá. Tenho certeza de que estamos plantando sementes a serem colhidas num futuro próximo, escrevendo uma nova história de que é possível viver de arte e de que é importante estar vivendo sonhos vivos!
Gabriele: E inspirando, também, a autoestima do seu povo, não é? No seu instagram (@jeffalanmf), pude admirar muito suas obras, inclusive a sua Monalisa, a qual vi vários registros. E é muito importante que tenham artistas que tragam o orgulho e a representação do bairro de onde vieram, do próprio território, não é?
Jeff: Eu sou muito apaixonado pelo meu bairro! Pra quem não sabe, sou do bairro do Barro, que fica localizado na Zona Oeste de Recife, e foi lá que absorvi todos os elementos da minha arte. Aprendi e aprendo muita coisa naquele lugar, e tenho certeza que, se eu não morasse lá, muitas das minhas criações jamais existiriam. Talvez eu nem viesse a ser artista e, com certeza, não estaria vivendo uma fase tão boa quanto agora. Mesmo com tanto perrengue que tem acontecido no país, dentro desses últimos quatro anos, a gente tem a arte para nos dar um respiro e nos fazer acreditar que as coisas estarão melhores daqui pra frente. Eu, pelo menos, acredito.
Eu comentei essa curiosidade um pouco mais acima, porém acho importante destacá-la melhor nesse parágrafo, novamente. Comigo-ninguém-pode é uma planta ornamental muito comum em diversas regiões sul-americanas, sendo um elemento folclórico em muitas culturas, cercada de crendices. Acredita-se na força de proteção que esta planta carrega, espantando energias negativas e suavizando os ambientes, sendo credenciada, muitas vezes, como um amuleto de proteção.
Gabriele perguntou a Jeff o porquê da escolha do nome da planta para sua exposição, já tendo em mente as crenças e significados que tal ser da natureza entrega a tantos povos mundo afora. O artista explica:
Jeff: A comigo-ninguém-pode faz parte da minha vida desde sempre. Faço muita pintura envolvendo ela e sua energia como forma de proteção, além de me acender muitas memórias afetivas. Por exemplo, tem fotos minhas com meus irmãos, estas pintadas por mim, com essa planta aparecendo atrás; já teve vez que fui pintar um retrato meu e, quando fui olhar a foto novamente, lá estava a planta, bem atrás de mim. Ou seja, ela sempre esteve presente na minha vida, até porque é muito comum encontrá-la, não só no meu bairro, como em várias periferias do Recife. Acredito que além da planta, Comigo Ninguém Pode é não só um nome como também é uma afirmação de tudo que a arte preta e o povo preto conseguiram fazer dentro de sua história. Além disso, o nome também é dedicado a um dos principais pontos de referência do meu bairro, que é um bar, que o dono era meu tio, em frente a minha casa e que, bem na frente, tem uma planta dessa! É um bar histórico pra minha família e amigos, sendo um verdadeiro ponto de encontro para muita gente e também uma grande central para se saber de tudo o que tá acontecendo na nossa área. É lá, também, onde eu trabalho pra pegar inspiração para minhas obras, encontrando pessoas, observando coisas, fotografando elementos, para depois levar pra casa e pintá-las do meu jeito. Meu tio, que era o dono desse bar, faleceu recentemente, e é a ele que dedico essa exposição.
Ao longo da entrevista, Jeff ainda revela os seus processos criativos, detalhando o que faz desde que observa um acontecimento na rua até sua tradução em uma tela de pintura. A fotografia faz parte desse processo, visto que é através de fotos que o artista reproduz momentos importantes do seu cotidiano, além de ser um processo fundamental para ilustrar, com fidelidade, a realidade vivida pelo seu povo. A partir da sua arte, Jeff Alan é uma representação da luta preta e periférica de Pernambuco, um fenômeno que comprova a necessidade de dar a devida importância para quem nasce lutando e necessita de proteção. É a partir de figuras como ele que se pode observar o povo como outros artistas, que fazem arte todos os dias, mesmo sem perceber. Afinal, resistir é uma obra e tanto!
Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram no programa BR-101.5 da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).
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