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#TBT101 - Ave Sangria: os vendavais da América não são batizados aleatoriamente

22.09.22 - 14H21
Flora Negri
Foto: Flora Negri/Divulgação

Por Johnny de Sousa


Com o retorno triunfal de festivais e eventos de rua, Recife, aos poucos, está se recuperando de suas mazelas reminiscentes da pandemia, catástrofe que muito atingiu os artistas trabalhadores da música. Visto que há uma dificuldade em se sustentar no meio musical, a forma mais garantida de se conseguir o mínimo de suporte financeiro é através de shows, estes impossíveis de acontecer até muito recentemente. No entanto, a alegria tem voltado às ruas, e com ela grandes nomes dos palcos de Recife e Olinda.

Tive a oportunidade de presenciar um grande fenômeno, no último fim de semana: o Ave Sangria tocando de graça, na Praça do Arsenal. A banda é considerada um dos nomes mais importantes da psicodelia brasileira, por que não dizer, do mundo. Com mais de cinquenta anos nas costas, o conjunto foi reerguido por uma nova geração de fãs, extremamente apaixonados e dedicados ao som da Ave.

Baseado no orgulhoso título nos dado pela Unesco, o Festival Recife Cidade da Música tem entregado uma série de atrações poderosas em polos estratégicos ao longo da cidade, sendo a Praça do Arsenal da Marinha a grande locação para o seu palco principal. Foi lá que vi a Ave lançar seu vôo, espalhando vendavais agressivos de som e esperança sob o povo. 

Saí do show extremamente extasiado, cheio de esperança, tendo a certeza de que vi a maior banda de rock da história tocar na minha frente. Num suspiro saudoso, então, lembrei de quando vieram até a Frei Caneca FM, no dia 20 de maio, conversar com a apresentadora do BR-101.5, Gabriele Alves (que, não por acaso, apresentou a banda no festival). Neste dia, Almir e Marco Polo falaram do retorno da banda ao Teatro do Parque, realizando um show que ocorreu no dia 22 de maio de 2022, em comemoração ao retorno da Ave para o local, assim como uma homenagem à vida de Paulo Rafael, guitarrista e membro fundador da banda, falecido em 2021.

Gabriele: Quarenta anos depois do primeiro show, vocês estão voltando para o Teatro do Parque. Depois da Ave ter migrado para vários lugares, parece que, enfim, ela voltou pro seu ninho. Como tá sendo esse retorno pra vocês?

Marco Polo: Tá sendo muito emocionante, porque, a quarenta anos atrás, foi o nosso primeiro show em teatro. De fato voltamos ao nosso ninho, pois foi lá que saímos do ovo pra poder voar. Estive ontem lá, fazendo participação no show de Ortinho, e o teatro tá lindo! Toda a estrutura está impecável. Fui abraçado lá, foi um carinho mútuo que recebi, então a emoção é muito boa de está, enfim, voltando pra lá.

Almir: Ah, é maravilhoso, tá de volta. Lembro que a gente fez um show lá, chamado “Fora da Paisagem”, tendo início lá em Fazenda Nova. Porém, quando voltamos pra Recife, fomos recebidos com o nosso primeiro show em teatro.

Gabriele: É um lugar que carrega muita história, além de ter passado muito tempo fechado, não é? Então vocês vão poder desfrutar do lugar com tudo novinho. (...) Então, minha gente, imaginem como vai ser esse show de retorno, viu. Vale lembrar que o primeiro show de vocês, por lá, aconteceu num período muito difícil na política brasileira, que foi durante a ditadura militar. Agora, com vocês retornando àquele palco, existem pessoas que desejam o retorno dessa intervenção. Qual o poder do retorno da Ave Sangria num momento como esse?

Marco Polo: Olhe, eu acho que é uma sina, uma fatalidade, um destino da Ave Sangria sempre baixar em momentos incômodos. Começamos no regime militar e agora voltamos dentro desse cenário tétrico, com essa pessoa esquisita no governo. Toda essa onda de reacionarismo, infelizmente, voltou para o imaginário dos brasileiros, então a Ave chega, destinada, para espalhar canções necessárias diante de momentos desnecessários. 

Almir: Inclusive, tem um fato interessante: o calendário de 1964 é igual ao de 2019. Vá lá ver, todos os dias são iguais.

Gabriele: Meu Deus, não é possível! Então parece que vocês voltaram pra colocar a gente debaixo da asa, né?

Marco Polo: Ou então pra a gente voar junto (risos). (...) Eu acho que a gente tem que resistir, todo mundo tem que resistir. A oportunidade tá chegando agora, em outubro, da gente dar um basta à essa porcaria toda que tá aí. A hora é essa!

Nesse tempo, Gabriele aproveita para alertar à todos, todas e todes os ouvintes sobre a importância do voto consciente. É necessário o estudo, a atenção e a tolerância diante de momentos tão frágeis para nossa democracia, que se encontra ameaçada por células autoritárias que nos querem tirar o direito de ser feliz.  

Gabriele: Vamo falar um pouco da banda que acompanha vocês, e, minha gente, que time, viu… Juliano Holanda, Júnior do Jarro, Breno Lira e Gilú Amaral. 

Marco Polo: Eu sempre digo que toco com músico bom, que é pra esconder aí minhas deficiências (risos altos em todo o estúdio). Mas sim, isso é uma coisa que fazemos muita questão ao escolher nossos músicos. Queremos gente boa porque a banda original era muito boa, então é uma forma de manter a honra, sabe? A gente se acostumou com a qualidade, então (risos). Todos esses músicos têm seus trabalhos autorais, mas quando estão com a gente, eles se afirmam como Ave Sangria. Não vestem só a camisa da banda, como também vestem a alma!

Gabriele: E como é, pra você, compartilhar o palco com esses músicos, Almir?

Almir: Olha, eu conheço alguns desses músicos desde que eram crianças. Juliano e Breno, desde meninos já barbarizavam nos seus instrumentos, então eu sabia que o resultado deles, como músicos, já eram extremamente promissores. Quanto a Gilú e do Jarro, foi coisa mais de projeto, mesmo. Fomos apresentados por alguns amigos que, na época, estávamos querendo montar a banda para o nosso retorno. Então já chamaram eles dois para tocar com a gente. Então, é toda uma turma de extrema qualidade.

Gabriele: E como é, pra vocês, tá nesse encontro de gerações, junto com pessoas que já tinham vocês como referência?

Marco Polo: Eu acho energizante. A juventude tem uma energia, uma generosidade, uma capacidade de imaginação fantástica. Então, eles nos enriquecem com seus costumes, seu senso de humor… Tanto que nos ensaios é uma risadagem só (risos).

Almir: Eu sempre falo que a gente não deve nunca andar com o calendário pendurado nas costas. Deixe ela lá na parede, mesmo! Parece que a pessoa, as vezes, carrega o peso da própria idade, quando na verdade não precisa ser assim. Nós o que está dentro da gente, não o que está fora. Uma coisa que eu gosto dos meninos serem mais jovens é essa quebra de paradigmas. Antigamente não se misturavam as conversas entre jovens e mais velhos, sabe? Eram universos que ficavam separados. Então toda a história do Rock n’ Roll, dos Beatles, etc, veio pra quebrar esses paradigmas, o que eu acho excelente.

Falando das questões geracionais, pode-se ver que todos os universos, jovens e adultos, se chocam na música feita pelo Ave Sangria. Política, música, festa e costumes são detalhes compartilhados por todos, fazendo parte de uma mesma linha temporal ditada pela música. Não houve um momento, na entrevista, em que Marco Polo e Almir se demonstraram desesperançosos com os seus mais jovens, pelo contrário, eles os reverenciavam. Além da manutenção da juventude, existiu o respeito à memória.

* * * 
O show daquele dia foi dedicado ao guitarrista Paulo Rafael, uma das penas e organismos chaves da Ave Sangria. Paulo foi um dos grandes guitarristas a terem reconhecimento em solo brasileiro, assim como o primeiro que a pessoa que vos fala soube de nome. Hoje em dia, essa pena flutua em paz, esperando o momento certo para que reencontre os seus antigos companheiros.

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife. 

Todas as  entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).

Vem de carona com a gente pelas estradas da cultura!


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