Foto: Diego Oliver
Por Johnny de Sousa
Ano vem, ano vai, e a rádio pública do Recife resiste, colorindo a capital pernambucana com as vibrações de suas ondas sonoras. Carregando o mote “Seis anos em seis horas”, a Frei Caneca FM comemorou o seu sexto aniversário com uma programação especialíssima, voltando novamente à praça do frevo, no terceiro andar do museu Paço do Frevo, lugar em que tudo começou, para fazer o cenário da sua grande transmissão anual.
A rádio, que completa a idade de uma criança mas contém o espírito de um adulto, fez questão de comemorar seu aniversário com diversas pessoas que contribuíram para a existência deste projeto, que já era uma ideia recorrente nas cabeças pensantes do Recife, desde os anos 60. Com muita luta, o projeto saiu do papel, oficialmente, em 2016, a partir de uma programação experimental, que foi ganhando apoio massivo de muitas pessoas favoráveis à cultura. Em 2022, Priscila Xavier, Alex Carvalho, Janaína Serra, Gabriele Alves e toda a equipe da emissora, se reuniram com nomes fundamentais para a construção da Frei Caneca FM que conhecemos hoje.
Priscila Xavier conversa com Tayza Contagem, Secretária de Cultura do Recife
A programação teve início às 10h da manhã, numa terça-feira, dia 28 de junho, que é a data de comemoração do aniversário da rádio. A primeira pessoa a soltar a voz no ar foi a radialista Priscila Xavier, que liderou a primeira entrevista do dia, com a Secretária de Cultura do Recife, Tayza Contagem. A Secretária afirma se orgulhar do legado cultural da cidade do Recife, que tem suas manifestações muito bem representadas através dos editais e da programação da sua rádio pública: “É uma troca muito gostosa que se tem dentro da cultura urbana da cidade. Me lembro que no ano passado, recebemos o título de cidade da música pela UNESCO, muito se dando pela diversidade cultural do Recife, que é algo que a Frei Caneca aborda muito como rádio pública, literalmente tocando todos os sons de todo o estado, que chegam até a capital pernambucana. É um veículo que o recifense se identifica muito ao ouvir, que carrega o orgulho de ser uma rádio produzida por pessoas dessa cidade e veiculada para todas as outras. Então, vida longa!”
Assista aqui à entrevista em vídeo
Logo após a entrevista com Tayza Contagem, a diretora do museu Paço do Frevo, Luciana Félix, foi entrevistada para um breve bate papo. Tal personalidade não poderia faltar, visto que o museu e a rádio são instituições amigas e vizinhas, estando sempre conectadas na promoção de eventos e na exaltação da cultura pernambucana. O Paço do Frevo cede a casa à Frei Caneca FM para eventos desde a sua abertura, colaborando com a rádio sempre que possível, e vice-versa.
Priscila continuou com mais entrevistas, logo depois, recebendo Manoel Constantino, editor da Agenda Cultural do Recife e apresentador do programa Papo de Artista, um dos principais da programação da Frei Caneca FM. Manoel se diz um admirador ferrenho dos artistas da terra, não conseguindo medir o valor da arte produzida em Pernambuco. Para ele, a Frei Caneca é a principal brecha de luz artística da cidade do Recife, afirmando que todos aqueles que produzem arte são apaixonados pela rádio: “O artista da terra, pra mim, não vale prata: vale ouro! É lindo ver um artista na rua e pedir-lhe um abraço, afinal ele é nosso, ele faz parte das nossas vidas. A importância de se valorizar a arte por terra é imprescindível para a autoestima da população de qualquer cidade. Eu mesmo fico muito feliz em ver filmes ou espetáculos pernambucanos ganhando prêmios no exterior… Eu me sinto sendo premiado, também. E é justamente aí que a Frei Caneca entra como mediadora desse orgulho recifense, porque todo mundo da rádio trabalha para que a população entenda e reconheça a importância da cultura, não só brasileira como recifense.”
Manoel ainda revela que viu a rádio além de seu nascimento, presenciando, também, a sua idealização. Desde os anos 60, no Recife, se pensava numa rádio pública, que tocasse cultura, arte, música brasileira e pernambucana. Quem diria que somente muitos anos depois, esta ideia ganharia forma, casa e voz, se tornando algo além do sonho.
Depois de Manoel Constantino, foi a vez de Clareana Arôxa, jornalista e apresentadora do Mulher na Caneca, programa que toca direitos humanos e luta feminista dentro da rádio pública do Recife. Neste encerramento da programação da manhã, o cunho cultural abraçou-se com o político, mostrando que as temáticas de cultura no jornalismo vão e devem sempre ir para além das artes, visto que cultura também é resistência!
“Recife sempre teve uma comunicação pública muito forte. Esse recorte da gente, feminista, de atuação política, mesmo, é muito presente na Frei Caneca, além de que é sempre abordado de maneira muito menos técnica e mais descontraída. Queremos ter a certeza de que as pessoas terminem de ouvir o programa com a cabeça leve, tendo aprendido o máximo possível sobre nossa luta. Afinal, a magia da comunicação pública está na prática do discurso democrático, fácil para todo mundo.”, afirma a jornalista.
Clareana ainda destaca a importância da Faixa Mulher, revelando que esta não é uma forma de separação conteudista, mas sim uma forma de legitimar a luta feminista e de educar os ouvintes de maneira igualitária, fazendo-os entender o significado da luta política por igualdade de gênero.
Terminado o bloco da manhã, ao meio-dia e dezenove, entrou no ar Gabriele Alves, a apresentadora do programa matinal BR-101.5, desta vez se apresentando no início da tarde. No entanto, em sua parte da programação, a pilota da rádio pública do Recife continuou em sua temática principal na programação, falando sobre música e as principais apostas da rádio para 2022 em diante. Rolou ainda uma entrevista emocionante com os rapazes da banda Abulidu, representados na entrevista por Paulo Alves (violão e voz), Thulio Xambá (percussão e voz) e Hélio Abulidu (voz principal).
Sendo eles uma das principais apostas musicais listadas por Gabriele e também pela programadora musical Lorena Fragoso, Abulidu é uma banda afrocentrada, mesclando sonoridades periféricas, urbanas e ancestrais com um forte ativismo político. Com três singles lançados e um álbum a caminho, a banda trouxe a representatividade preta e periférica de todas as partes de Recife, relacionando o poder da comunicação pública com uma forma de disseminar a luta e resistência de povos que não são vistos por uma parcela da sociedade.
“Ficamos muito felizes de tá aparecendo aqui. Andamos fazendo uma série de apresentações e rodas de debates que relacionam arte e resistência política, sendo isso tudo possível pelo poder da comunicação. Nossa música é preta, é de empoderamento, e estamos conseguindo levar essas letras e sons para ambientes como este, para que todo mundo possa ouvir, e principalmente nosso povo, que precisa entender a própria força. É muito bonito isso que a Frei Caneca faz, de nos dar tanto apoio. Quando eu vi que nosso nome estava na lista de apostas para esse ano, eu nem acreditei (risos).”, brinca Thúlio Xambá.
Confira aqui a entrevista em vídeo e na íntegra
A banda ainda compartilhou seus sentimentos fraternos, citando ainda o que falou Messias Black: “A música tem o poder de transformar em irmãos pessoas que se conheceram hoje”. A música e a bandeira carregada foram os fatores da união entre os membros da Abulidu, sendo eles humanos que não têm medo de compartilharem o amor e o belíssimo talento no qual são donos. Além da beleza sentimental, este quadro honrou com muita música, tocada diretamente pela banda, de forma inédita diretamente na Frei Caneca FM.
Dando continuidade à programação, a festa foi, aos poucos, chegando aos seus horários finais, porém não menos importantes. Foi a vez, então, de Janaína Serra e Alex Carvalho soltarem a voz no especial Seis anos em seis horas. Seguindo a ordem, Janaína foi ao ar primeiro, entrevistando os poetas e ativistas Sofio, Olga Pinheiro e Malungo. Sendo a poesia um dos formatos de resistência mais comuns que se conhece, este também casado à música, esta vertente tem tomado conta das ruas do recife de maneira bem marcada, batendo de frente com toda forma de governo e repressão que se tem visto em peso.
Em um ano crítico e decisivo para a política do país, os entrevistados reiteraram a importância de se voltar o voto para as minorias, não alertando apenas as pessoas que fazem parte deste meio social, mas, principalmente, àqueles que precisam ter noção dos seus privilégios. Não é apenas votar naquilo que é importante ou que é mais pautado no momento, é necessário votar e de forma consciente.
Confira a entrevista na íntegra aqui
Finalizando a programação da tarde, o grande trio sobe à mesa! Alex Carvalho, Priscila Xavier e Janaína Serra se unem para a finalização do programa de aniversário da 101.5 FM, justo neste ano que já começou sendo tão especial, seja pela programação de altíssima qualidade, seja pela volta de shows e manifestações culturais de forma presencial. Para além de artistas maravilhosos que foram ouvidos durante a programação, foram transmitidos áudios de grandes personalidades da gestão pública, da educação, música e da cultura, como Andréa Trigueiro, Ciel Santos, Iara Lima, Maíra Brandão, Diego Rocha, Patrícia Palumbo, Ivan Júnior, Carmem Lélis, Gabi da Pele Preta, Rafael Marques, Nataly Queiroz, Ana Veloso e outras grandes figuras representativas para a Frei Caneca FM que se conhece hoje.
Logo após Janaína, Alex Carvalho foi à mesa dar um recado importantíssimo. O dia do aniversário da rádio cai no mesmo dia do orgulho LGBTQIA+, 28 de junho, sendo um dia importante para reforçar ações que lutem a favor dos direitos da comunidade. Alex recebeu no programa a secretária executiva de Segmentos Sociais de Pernambuco, Ana Paula da Silva, com quem conversou sobre a cartilha lançada pelo Governo do Estado, destacando os direitos das pessoas que fazem parte da sigla.
Além de Ana Paula, foi recebida à mesa Irene Freire, Coordenadora do Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBTI+. Conversando com Alex sobre esta central de apoio, objetiva-se, neste ambiente, acolher pessoas vítimas de violência e discriminação, funcionando como uma instituição que reforça a luta e os direitos fundamentais de pessoas LGBTQIA+. O CMRC LGBT funciona na Rua dos Médicis, 86, Boa Vista, das 8h às 18h. O telefone para atendimento ao público é o (81) 3231-1553.
Também foi Alex quem deu as palavras de encerramento do programa, perguntando, tanto a Priscila quanto a Janaína, como foi o sentimento de estar transmitindo, durante 6 horas, sem parar, um programa que contasse um pouco sobre a história e perspectiva da rádio. Cada um teve a sua resposta, uma mais emblemática que a outra.
“A gente tem pouco tempo no ar, mas já dá para dizer que a importância da rádio parece ser a de uma instituição milenar. Somos uma rádio que se abre ao diálogo, à informação pública de qualidade e, principalmente, à manutenção da cultura como forma fundamental de expressão popular. É muito bonito ver como ao longo dos anos a nossa equipe foi se moldando para a melhoria da rádio, tudo em nome de uma boa programação. Temos uma equipe que dialoga, que dá o sangue para ver a rádio melhorar, e isso é algo que só tende a crescer com o tempo.”, pontuou Janaína.
Alex complementou: “De fato, temos uma equipe muito apaixonada. Aliás, somos todos muito apaixonados pelo o que fazemos. A gente ama se comunicar, a gente ama falar sobre cultura, música, arte em geral… mas acima de tudo nós amamos ser nós mesmos, aqui. Temos certas bandeiras que levantamos e não deixamos de levantar: somos contra o machismo, a homofobia, a gordofobia e tudo aquilo que retire a dignidade de um ser humano. Afinal, cultura é resistência também.”
Priscila trouxe uma síntese do que sentiu ao longo do especial Seis anos em seis horas: “Não posso encerrar sem dizer como é bonito fazer parte dessa construção. Eu ouvi isso em depoimentos de diversas pessoas... Que honra poder fazer parte da Frei Caneca, poder acompanhar e ajudar de forma efetiva pra essa rádio pública estar no ar. Foram 6 anos em que parece que a rádio tem mais tempo, parece que ela entrou na alma da cidade. As pessoas que gostam e ouvem a Frei Caneca se apaixonam de uma forma que parece isso, a rádio faz parte do DNA da cidade. A gente tem muita responsabilidade ao abrir os microfones, em continuar levando as pautas que a gente é a favor e quer enaltecer: a cultura da gente, o frevo, a ciranda, coco, as músicas que são daqui... A gente poderia ficar mais 6 horas conversando sobre as coisas bonitas da rádio."
Confira o bate-papo de encerramento em vídeo aqui
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