Coco Mulheres | Foto: Divulgação/Internet
Por Johnny de Sousa
No último #TBT101, provoquei e debati em cima da prática de autodefesa, explanando a sua necessidade como uma preservação da dignidade humana, mas se voltando, exclusivamente, para as mulheres. A provocação que venho fazer hoje parte do mesmo lugar de luta, mesmo que simbólica. No entanto, esta não é menos inofensiva, visto que a ocupação de mulheres pretas em cargos importantes na gestão popular é um dos maiores (se não o maior) exemplo de vitória que conheço.
Como a pauta aqui é sempre cultural, digo que é através da disseminação de manifestações afro-brasileiras e indígenas que o respeito pelos povos originários pode ser alcançado, sendo tal ato cada vez mais necessário, pois a luta ainda parece longe de acabar. A entrevista abordada no #TBT101 de hoje foi veiculada originalmente em junho do ano passado, mês da mulher negra, latino-americana e caribenha, que nos leva a reconhecer e celebrar seus feitos e lutas diárias.
Jadion Santos é atriz, produtora cultural e líder do movimento e grupo musical Coco de Mulheres, símbolo de resistência na ocupação preta e feminina dentro da cultura popular. Manoel Constantino, apresentador do Papo de Artista, cumpriu a feliz tarefa de trazê-la ao programa, onde debateram sobre cultura, teatro e, acima de tudo, a importância da ocupação de minorias nas principais áreas de participação popular.
Manoel Constantino: Sei do seu histórico como ativista cultural, e acima de tudo como mulher negra. Dessa forma, como você enveredou para os campos da cultura e acabou criando o Coco de Mulheres?
Jadion Santos: Eu acredito que tá muito dentro das coisas que nossos antepassados nos deixam. Eu sou filha de puxador de coco. Meu pai fazia parte de um dos primeiros grupos de coco do Brasil, chamado Coco de Pontezinha, no interior do estado. Meu avô materno tinha um grupo de cavalo marinho, em Sirinhaém, desde antes de se casar. Meus ancestrais tinham muitos desses costumes culturais do interior, me fazendo ingressar neste mundo através do teatro. Comecei fazendo peças na igreja, com o padre da paróquia teatralizando as leituras bíblicas, e depois me mudei para um curso de teatro lá no Cabo de Santo Agostinho. Vim pra Recife ainda trabalhando com teatro, mas me encontrei muito na área de produção com outros artistas. Nesse tesão por produzir, percebi que eu gostava mais de trabalhar ao lado de artistas negros, como Isaar e Zé Brown, me conectando, logo menos, com o universo da cultura popular.
A cultura popular é um veículo para compreensões maiores. Aqui, me refiro ao ato de conectar-se às origens do povo, com os direitos básicos aflorados e compreendidos dentro de uma sociedade construída em costumes ancestrais. E é através disso que a reflexão sobre a adesão do coletivo deve ser incluída nessas manifestações populares, afinal, não adianta pautar a cultura de um povo sem incluir as minorias. Jadion percebeu que as mulheres eram tratadas de forma secundária em grupos folclóricos, o que lhe gerou o impulso de reivindicar a sua posição, como mulher e apreciadora cultural.
Jadion: Foi aí que, produzindo esses grupos de coco, maracatu e cavalo marinho, eu percebi que os homens eram a linha de frente dessas manifestações, com as mulheres tocando instrumentos secundários ou fazendo backing vocal. Às vezes, as mulheres cantavam e tocavam muito mais do que os homens, porém não saíam desse domínio masculino da cultura. Então eu passei a olhar o cenário e percebi que não tinha nenhum grupo de coco formado por mulheres. Por mais que participassem de muitos grupos, não havia mulheres nessa liderança. Claro que temos grandes conquistas, como Mãe Beth de Oxum, Aurinha, Dona Cila, mulheres que estão a frente do gênero musical, porém senti falta de grupos que tivessem um protagonismo feminino maior. Foi a partir daí que tive a ideia de montar o Coco de Mulheres, convidando algumas conhecidas para fazer parte e outras figuras queridas que fazem a frente vocal do grupo. Hoje esse é o único Coco no mundo formado apenas por mulheres e que tem essa força do protagonismo femino nos principais meios culturais. Sempre digo que cultura é um espaço de poder, poder esse que foi negado às mulheres, principalmente às negras. Porém, a ousadia sempre esteve no meu sangue, o que não me faz desanimar diante de qualquer ato racista e sempre me deu a consciência de que meu espaço devem ser todos.
Além de grande ativista dentro do coco, Jadion ainda gerencia uma empresa responsável por impulsionar manifestações da cultura popular e principal veículo para sua luta dentro do ramo da cultura, este muito dominado por uma elite masculina branca.
Manoel: Sabendo que você tem a cultura popular como um motor fundamental para sua história e como instrumento de trabalho também, como você se enxerga sendo uma mulher trabalhadora dentro desse movimento?
Jadion: Eu sempre penso que, principalmente agora, no pós-pandemia, deveriam ter espaços para que sejam promovidas pautas importantes, tal qual a da mulher como parte da cultura da sua cidade. Felizmente, esse assunto tem sido levado em conta, muitas produtoras têm aparecido, conseguindo aprovar seus projetos, construindo novos grupos, sendo protagonista dentro da cultura do estado. Os homens têm uma importância nesse lugar, mas não precisam de protagonismo. Nasceram de acordo com o machismo e ganharam seus cargos à base disso, então eles têm esse tipo de acordo com a própria vida. Por isso que a gente luta por nossas pautas, porque merecemos estar nesse meio de maneira igualitária. Porém, ao falar de cargos femininos, devemos lembrar da nossa diversidade, pois apenas mulheres brancas tomando cargos importantes não vale a luta que tanto falamos. É importante dar espaço às mulheres trans, travestis e lésbicas, justamente para podermos acabar com o grande número de assassinatos contra esses corpos.
Jadion ainda reitera a dignidade de corpos femininos negros como um assunto urgente, visto que a falta de representatividade negra, não só na cultura, como também em diversos setores sociopolíticos, acarretam em números chocantes em violência e exploração. O reconhecimento dessa luta, portanto, deve vir de cada cidadão que busca melhorar o espaço que ocupa, visto que a prioridade de minorias nas atividades sociais não é mero detalhe, mas sim um caminho. Quem não soma, some!
Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, relembramos entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)
Compartilhe