Foto: Acervo Família França
Por Bárbara Bittencourt
Em 2023, Chico Science faria 57 anos. Francisco de Assis França foi um cantor e compositor pernambucano, grande nome do movimento que ajudou a criar, o Manguebeat. A proposta do movimento era conceber um “circuito energético” que incrementasse a diversidade dos mangues e dos ritmos pernambucanos com o mundo pop e eletrônico. Denunciando o descaso com os manguezais, a população e celebrando a justaposição do local/global, Chico Vulgo revolucionou a cena musical do Recife.
Aos 31 anos, Chico faleceu em um acidente de carro, mas sua contribuição para a música brasileira continua revolucionária até hoje. É por isso que seus escritos foram guardados com tanto amor por sua irmã, Goretti França, produtora-executiva e curadora do Acervo Chico Science. O projeto reúne os cadernos e influências do mangueboy de forma inédita e “desorganizada” para os fãs. Como disse Goretti, “O site é desorganizado para organizar, e tentando se organizar de alguma forma para desorganizar”, é uma imersão sem ordem cronológica na vida e pensamentos de um caranguejo com cérebro.
Gabriele Alves, recebeu Goretti França nas estradas da cultura do BR-101.5, no dia do aniversário de Chico, para exaltar a estreia do Acervo e falar do seu processo de produção.
Gabriele Alves: Eu acho importante falar sobre como esse processo de restauração é muito trabalhoso, não é só abrir o caderno e cutucar, porque as folhas são muito sensíveis.
Goretti França: Do acervo inteiro de Chico, o papel é aquilo que é mais frágil. Tem um papelzinho avulso que é meu predileto, que um mês depois, por aí, que Chico morreu, nisso de arrumar coisas, encontrei dentro de um bolso dele escrito: “Morreu de viver demais”. É interessante que depois eu achei essa frase em outro caderno, mas aquilo me impactou muito, ele “morreu de viver demais”, porque te dá um certo consolo. Viveu muito, muito pouco, mas muito, em intensidade. Viveu bem, foi intenso, foi verdadeiro, foi inteiro. Quando eu vi que a tinta estava sumindo desse papelzinho, fiquei desesperada.
Goretti falou da sua motivação para buscar uma forma de resguardar os escritos do irmão e preservá-los, levando-a a encontrar uma instituição que restaurou, digitalizou e guardou adequadamente os papéis que foram disponibilizados no Acervo. Refletindo sobre esse processo, Gabi lembra de uma frase presente na música “Monólogo Ao Pé Do Ouvido”, do álbum Da Lama ao Caos, de Nação Zumbi: “Modernizar o passado / É uma evolução musical”.
Goretti França: Tem uma frase em um dos caderninhos de Chico, atribuída a Proust, em que ele diz que “o passado é o jantar de ontem, passou”. Eu fiquei encucada com isso, porque foi revirando o passado que estamos entregando o Acervo agora, então até que ponto o jantar de ontem passou? Mas Chico vem e diz "modernizar o passado é uma evolução musical”. Então, hoje, nessa rede mundial de computadores em que o mundo inteiro pode acolher a grandiosidade dos seus escritos, estamos lançando o site.
Como escreveu Fred Zero Quatro no manifesto “Caranguejos Com Cérebro”, “Bastaram poucos anos para os produtos da fábrica mangue invadirem o Recife e começarem a se espalhar pelos quatro cantos do mundo. A descarga inicial de energia gerou uma cena musical com mais de cem bandas. No rastro dela, surgiram programas de rádio, desfiles de moda, vídeo clipes, filmes e muito mais. Pouco a pouco, as artérias vão sendo desbloqueadas e o sangue volta a circular pelas veias da Manguetown.” O Manguebeat eletrizou o sangue dos recifenses, Chico nos acordou para o novo, modernizando o passado durante sua evolução musical.
Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife.
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