Foto: Divulgação/Luigi Apolinário
Por Johnny de Sousa
No país que mais mata trans e travestis no mundo inteiro, uma força brilhante nasce dentro da periferia da Paraíba. No corpo da rapper e poetisa Bianca Manicongo, Bixarte é uma afirmação da força travesti através da música e da própria literatura, afirmando a vida de toda uma comunidade que é ameaçada diariamente, com uma já muito baixa expectativa de vida.
Para darmos início ao mês do Orgulho LGBTQIA+, o #TBT101 de hoje volta ao ano de 2021, quando a pilota do BR-101.5, Gabriele Alves, recebeu Bixarte na Frei Caneca FM para falar do lançamento “Travesti No Comando da Nação”. É nessa conversa sobre autoestima e celebração à vida, que relembramos um dos momentos mais poderosos e emocionantes da rádio pública do Recife.
Gabriele - Com esse seu trabalho incrível, é impossível não tocarmos aqui na rádio! Essa “musicona” que você lançou agora, “Travesti no Comando da Nação”, conta pra gente como foi que ela surgiu?
Bixarte - Essa música é um grande experimento que eu fiz com a DJ Dorot, também travesti e paraibana. Aqui a gente brinca com o Techno e com o Vogue de maneira proposital, justamente fazendo referência ao movimento cultural e político do Ballroom. Esse movimento surgiu em Nova York, nos anos 80, onde as casas de travestis faziam desfiles e bailes, com diversas categorias e danças próprias. Esse era o único momento, de fato, em que havia algum tipo de descontração dentro da realidade, visto que a maioria dessas pessoas sofreram algum tipo de perseguição e foram até expulsas das suas casas de família. É nesse momento, então, que essas travestis, assim como mulheres trans e outras pessoas da comunidade LGBTQIA +, passam a viver juntas em casas próprias, formando núcleos familiares ali. Essa música, então, vem como uma denúncia, pois eu, como travesti, fui muito perseguida quando jovem. Cresci em ambiente de igreja, com muitas pessoas dizendo que eu não podia cantar no altar por ser muito afeminada. Bem, eu sobrevivi e estou aqui para mostrar que eu posso cantar, sim! Não só eu, como muitas outras travestis e mulheres trans que são covardemente caladas!
Gabriele - Além de que também são covardemente assassinadas! Precisamos celebrar a vida, ainda mais a da letra “T” da nossa sigla, não é, Bixarte?
Bixarte - Essa é uma das minhas missões. Além de fazer denúncia, eu faço questão de celebrar a vida, principalmente das nossas ancestrais. É preciso implantar um “traviarcado”, onde as vidas dessas mulheres sejam preservadas e respeitadas a todo custo. Eu sinto que essa nova era tende a lutar por essas vidas, pois se celebra a vida daquelas que ainda estão vivas e, também, as que não estão mais. Isso as escolas não falam e muito menos os livros de história, mas o Brasil é o país que mais mata trans e travestis no mundo inteiro. Então, é importante que nos dêem poder absoluto para podermos nos expressar, termos representatividade no governo e, também, não sermos mais vistas como apenas objeto de desejo. O país que mais me mata, é o país que mais me consome pornograficamente, então eles que se preparem para me ver mudar o jogo, sendo mãe, lançando meus livros e, se Deus quiser, ainda fazendo música. Nós vamos criando outras narrativas, com outros fins que não sejam a morte.
Gabriele - Falando em narrativa, eu vejo muito nos seus clipes, nas fotos e nos seus shows, que você não anda só. Quem é que tá contigo nesse momento?
Bixarte - Uma gangue! Uma gangue de sapatas, viados e blacks que andam sempre comigo. Bixarte hoje é um movimento político. Eu sou Bianca, mas eu costumo dizer que dou corpo à Bixarte, pois isso é uma realização única na história da minha comunidade, e é importante que muitas pessoas estejam comigo para me verem acontecer. A nossa equipe, nesse momento, tem 16 pessoas LGBTs e pretas, então a gente tá fazendo a empregabilidade rodar, tá fazendo o dinheiro circular, saindo daquele centro sul embranquecido e chegar aqui no nosso quilombo. Estamos pegando o dinheiro de lá e trazendo para o Nordeste, que é pra onde tem que vir mesmo. Todes que trabalham comigo, que me vestem, que cuidam das minhas redes sociais, são pessoas da minha periferia, pretas e LGBTs, que, de verdade, eu me sinto muito confortável de estar trabalhando junto.
Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que toda quinta-feira vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram no programa BR-101.5 da rádio pública do Recife.
Todas as faixas de entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).
Vem de carona com a gente pelas estradas da cultura!
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