por Bárbara Bittencourt
“Eu sou Auritha Tabajara, nascida longe da praia, vacinada pela rima e melodia da Jandaia, no Ceará foi a festa, meu leito foi a floresta nas folhas de samambaia. Minha essência ancestral me encontra cordelizando em amparo faz-me existir e ao mundo eu contando, que a minha forma de amar ninguém vai colonizar. De arte vou me armando, filha da mãe natureza, mulher guerreira eu sou, com a força feminina, cinco séculos atravessou... Eu não sou como Iracema, a de José de Alencar, sou do povo Tabajara, onde canta o sabiá, minha aldeia tem imburana e em mim a terra é soberana pelo toque do maracá. Essa sou eu!”.
Foi assim que Auritha se apresentou em abril de 2023, quando foi entrevistada por Janaína Serra no programa Relicário. Escritora, cordelista, contadora de histórias e terapeuta holística em ervas medicinais, seu cordel-apresentação introduziu uma conversa bonita e repleta de poesia no fim de tarde. À época, Auritha já tinha publicado três livros, entre eles, "Coração na Aldeia, Pés no Mundo" (2018), recomendado pela Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil. Lançou também oito folhetos e textos diversos em antologias no Brasil e no exterior, além de participar ativamente em feiras literárias pelo Brasil.
Em determinado momento da entrevista, Janaína pergunta sobre o título de primeira mulher indígena cordelista a publicar no Brasil de Auritha.
Janaína Serra: Você é a primeira mulher indígena cordelista a publicar no Brasil. Como é que surge o cordel na sua vida?
Auritha Tabajara: Eu fui alfabetizada em casa aos seis anos de idade. A minha avó, meus tios, minha mãe, ninguém sabe ler e escrever no papel. E desde muito criança, sempre soube, mesmo inconscientemente, da importância de saber ler e escrever. Mas a literatura não começa escrita no papel, começa muito antes, através dos nossos grafismos e etc. Eu venho de uma família da poesia: minha avó é declamadora, meu avô era vaqueiro, então ele cantava com o gado umas toadas que eu chamo de personalizadas (toadas que não estão escritas em lugar nenhum). E era assim que eu queria falar com o povo, daquela forma que meu avô falava com o gado. Então, sempre, desde muito pequena, eu queria aprender a ler e a escrever. Minha tia, mais nova, foi a única que teve a oportunidade de aprender a ler e a escrever, nas casas de famílias, fazendo as receitas das comidas. Quando ela voltou pra casa, me ajudou a ler e a escrever na rima, porque eu não queria ler e escrever de outra forma, tinha que ser através da rima, mesmo sem saber o nome daquela rima, porque só mais tarde eu fui descobrir que o que eu escrevia e o que eu gostava era Cordel. Eu tive muita dificuldade de ser alfabetizada na escola, aos 9 anos de idade, porque eu só queria ler de forma rimada, e eu não fui compreendida pelos professores, mas gostava muito de estar na escola. Eu queria fazer rimas, de alguma forma, queria estar inserida dentro da arte, rimando, cantando, ouvindo e contando histórias, no teatro também, porque eu também escrevo. Eu escrevo sobre tudo.
Janaína Serra: Isso que você falou, me lembrou que algumas pessoas dizem que odeiam poesia. E a gente precisa de muita poesia para melhorar o mundo. Eu queria que você falasse um pouco dessa importância de registrar em papel a sua sabedoria, as histórias que você ouviu, a sua própria história registrada.
Auritha Tabajara: A nossa literatura, a literatura escrita por indígenas, não começa agora, não começa escrita no papel. Ela começa através dos nossos grafismos. Mesmo antes dos nossos avós, tantaravós, os nossos ancestrais já faziam os movimentos através disso. Quando as mulheres não queriam casar com um homem, por exemplo, faziam um grafismo na perna de um sol virado para oeste, se fosse desenhado à tarde, ou para leste, se fosse desenhado de manhã. Assim, as mulheres saberiam entre si e fariam essa manifestação na beira dos rios, enquanto lavavam suas roupas. Essas são as histórias que a minha avó conta, ela participou delas, e isso sempre foi muito importante para mim. Eu sempre tive muita vontade de registrar essas histórias, e a primeira que eu quis muito registrar foi a de nascimento, do choro na barriga da minha mãe, e por tudo que a minha avó conta disso… A literatura tem uma importância muito grande para nós indígenas, somos nós falando sobre nossas vivências, cultura e tradição.
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. O #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
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