ícone face twitter instagram

Jared Amarante conta a história de um menino negro, gordo e transgênero

24.03.22 - 15H17
Jared Amarante conta a história de um menino negro, gordo e transgênero

Por Marcela Cavalcanti

O escritor e jornalista Jared Amarante, de 29 anos, traz reflexões profundas sobre gênero, raça e corpulência no livro “Ariel – A Travessia de um Príncipe Trans e Quilombola”. Durante a narrativa, o protagonista da obra, Ariel, um menino trans, preto e gordo, vai parar no Quilombocéu após sofrer racismo e transfobia do seu próprio pai. Neste lugar, uma terra de igualdade, resistência e segurança, Ariel se sente aceito e é coroado príncipe da paz com um pente garfo entregue por Deus. O autor dessa história linda participou do BR-101.5 em junho do ano passado, no Mês do Orgulho LGBTQIA+. Confira aqui um trecho da conversa com Gabriele Alves!

Gabriele Alves: Estamos iniciando agora a nossa faixa de entrevistas dessa sexta-feira, que está recebendo o escritor Jared Amarante para falar sobre o livro “Ariel – A Travessia de um Príncipe Trans e Quilombola”. Essa é uma obra infanto-juvenil, mas também chega nos adultos, em toda a gente, e da forma que a gente precisa, trazendo um conteúdo muito importante em pleno Mês do Orgulho LGBTQIA+ aqui pra Frei Caneca FM. Bom dia, Jared, seja muito bem-vindo!

Jared Amarante: Bom dia, eu que agradeço por estar aqui! Essa apresentação toda bonita aí, que nos empolga... A honra é minha de estar aqui com vocês.

Gabriele Alves: Que felicidade de falar sobre isso com você. Eu vou começar do comecinho mesmo... Como é que surgiu o ímpeto de criar essa história sobre Ariel?

Jared Amarante: Eu sempre costumo dizer que o ímpeto vem de muitas perguntas. Primeiro que eu nunca tive um protagonista trans e está dentro das letrinhas do nosso grande arco-íris. A gente sabe que tudo isso começou lá no GLS, onde as pessoas trans estavam muito invisíveis, e elas ainda permanecem bem à margem, a gente sabe disso, sobretudo nas produções artísticas. Eu pensei: “Poxa, é um príncipe trans... Se existe eu não sei, mas eu vou fazer um”. Depois, também pensei “um príncipe trans, preto, gordo e quilombola, eu acho que não tem nem no mundo”.

A ideia foi fazer isso pra se tornar uma referência, abrir caminhos, promover o diálogo. Veio muito do meu entendimento de saber que é durante a infância que nós temos a nossa autoestima validada ou não. É nessa fase que somos machucados ou acolhidos, é quando as pessoas atestam que a gente é legal, inteligente, bonito, especial, competente... E as pessoas cis, as crianças cis e brancas recebem isso em abundância da socidade. As pessoas trans, não. Agora some isso às pessoas que são trans e pretas. Agora some isso às questões de corpulência, imagine as pessoas que são trans, pretas e gordas. Nós estamos falando de camadas que tornam alguém muito mais invisível na sociedade. Óbvio que não deveria ser assim, mas é, e a gente não pode fugir da realidade.

Então o ímpeto foi pensar que, quando uma criança tivesse acesso à obra, ou um adulto também, a gente conseguiria promover o diálogo, fomentar a autoestima, fazer com que essas pessoas se sentissem em um lugar de realeza, que é um lugar exatamente negado a elas em sociedade. Foi justamente esse o meu raciocínio de fazer com que eu tivesse um protagonista trans, preto e gordo. Eu acho maravilhoso poder falar sobre essas coletividades e também trazer autoestima a esses corpos, principalmente porque é na infância que a gente aprende isso. Se você é uma criança que não é validada, que não é vista como especial, como competente ou bonita, ou acha que o seu corpo não pode ocupar todos os lugares, você vai crescer um adulto machucado, ferido, achando que não é bom o suficiente, que o seu corpo não é belo... Enfim, eu quis fazer esse contraponto.

Eu já tinha um desejo grande de escrever um livro com um protagonista assim, e também de ter uma obra lúdica, isso era uma outra vontade. Existem muitos elementos fantasiosos, um Quilombocéu, as árvores, as nuvens têm cheiro de abacate, uma série de referências, coisas que são bem lúdicas mesmo também para esse fomento da autoestima. E pensando também nos adultos, porque essa obra, pro adulto, é uma psique educação. Porque se uma criança reproduzir racismo, transfobia ou gordofobia, ela viu alguém fazendo isso.

Gabriele Alves: Perfeita essa colocação. Quando cê falou de lúdico, me veio um lance que eu ia deixar pro final mas vale muito a gente já falar agora, que tem um visual dentro do livro, né? Não é um livro que a gente vai só pra imaginação. Ele também traz desenhos de um artista que é um homens trans e preto, que é o Nathan Henrique. Como é que foi essa construção do visual do livro?

Jared Amarante: Ah, ele é maravilhoso! Nathan, eu fiquei muito impressionado com a nossa troca... Na verdade eu abordei ele já tem uns anos, falando sobre o projeto, perguntando se ele gostaria de participar. Eu tinha mapeado algumas personalidades trans também, mas ele, alguma coisa nele me tocou, acho que os desenhos, os traços, a maneira como ele trazia isso na imagem. Abordei, a gente começou a trocar ideia e ele aceitou participar desse projeto.

Eu sempre digo pra ele que ele é o Ariel, ele é esse príncipe, porque ele é um homem trans e preto também. Ele tá ali com toda a alma do personagem, então a nossa troca foi baseada no que eu pensei que seria bom ter de desenho, mas ele teve toda a liberdade pra colocar a sua imaginação, o seu talento, até mesmo porque o artista pra desenhar é ele, né? Eu falei “Nathan, eu sou só o escritor, você fica à vontade”. E ele fez ilustrações muito bonitas, com uma potência muito grande, um traço lindo, a própria capa do livro foi ele quem fez. Foi maravilhoso ter uma pessoa como ele, que traz no corpo esses marcadores. Não teria ninguém melhor pra dar o sopro da vida à Ariel, tinha que ser pelas mãos talentosas e sentimentais dele, e vívidas, no sentido de experienciais, porque ele é este personagem.

Gabriele Alves: E dando toda força ao conceito de representatividade, que é o que Jared tá fazendo desde o início aqui, trazendo um homem trans e preto pra fazer essa capa. E com certeza a carga que vêm junto com isso é muito maior do que se fosse um artista cis e branco.

Jared Amarante: Sem dúvida. 

***

Quer continuar acompanhando esse bate-papo? Escute a entrevista completa aqui! O #TBT101 é uma coluna em que toda quinta-feira vamos relembrar entrevistas que já rolaram na rádio pública do Recife. Sintoniza com a gente nas estradas da cultura!

Todas as faixas de entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud).

 

Categorias

Compartilhe