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“Eu quero é cantar pros meus”, diz Juliana Linhares no álbum Nordeste Ficção

24.02.22 - 19H04
Juliana Linhares

Foto: Clarice Lissovsky

 Por Marcela Cavalcanti 

Nascida em Natal mas vivendo no Rio de Janeiro desde 2010, Juliana Linhares lançou seu primeiro álbum solo, “Nordeste Ficção”, em março de 2021. O álbum, que levanta um debate sobre os estereótipos regionais, traz parcerias da cantora, compositora e atriz com Chico César, uma canção inédita de Tom Zé e participações especiais de Zeca Baleiro, Letrux e Mestrinho. Juliana Linhares conversou com Gabriele Alves durante a faixa de entrevistas do BR-101.5.

Confira:

Gabriele: 11 anos morando no Rio de Janeiro e sentindo falta do nosso sotaque... Provavelmente não do calor, porque aí também é quente, mas esse sentimento que fica pra nascer o Nordeste Ficção... Me conta como aflorou dentro de você, porque ele já devia bater, né?

Juliana: Eu acho que essa coisa de você sair de casa, de perto das suas pessoas, e principalmente esse sentimento de retirante, digamos, de saída do Nordeste pro Sudeste, vamos usar esse nosso grande clichê da história brasileira... Eu acho que quando você se vê em outro lugar, quando você é nordestino dentro do Nordeste, você se vê nordestino, claro, que com a nossa diferença, você pernambucana, eu norte-rio-grandense, digamos assim, tem muitas diferenças, né? Mas quando eu tô dentro do Rio Grande do Norte, em Natal, com as minhas pessoas, eu não pensava muito, quando eu era mais nova, que eu era nordestina. Eu sabia que eu era nordestina, mas eu não pensava muito sobre as implicações de ser nordestina no mundo.

Quando você sai do lugar em que você se identifica com todos e vai pra um lugar em que você é o diferente, todo mundo passa a olhar pra você de uma forma... Com mais conceitos, os preconceitos, as questões estabelecidas, pré-estabelecidas sobre a sua existência que você nem sabia direito o que era. Eu me tornei muito mais nordestina do que eu imaginava que eu era quando vim morar no Rio. Todas essas questões da diferença entre a nossa cultura, o nosso sotaque, a nossa forma de ser e, principalmente, a construção histórica que fez a gente se tornar o nordestino visto como é visto hoje no nosso país, tudo isso aflorou pra mim, e ao longo desses 11 anos eu fui entendendo com mais maturidade como lidar com isso artisticamente. Esse sentimento e todas essas questões sobre olhar pro nordeste hoje me fizeram querer lançar um disco com esse tema.

Gabriele: Quando lançou o Nordeste Ficção, eu fiquei pensando naquele livro A Invenção do Nordeste e Outras Artes, e aí fiquei, fiquei, fiquei... Fomos atrás de você pra fazer essa entrevista e recebemos o release de Marcus Preto falando que, de fato, o livro de Durval Muniz de Albuquerque Jr. tá completamente atrelado à criação desse disco. Me conta como foi esse encontro!

Juliana: Eu já vinha entendendo o quanto a minha presença no Sudeste modificava a minha vida como nordestina nos trabalhos e, principalmente, na expectativa que as pessoas têm ao meu respeito, porque a minha voz diz alguma coisa, o meu sotaque representa alguma coisa, parece que eu preciso ser uma nordestina conforme os padrões estabelecidos na cabeça da sociedade. Uma coisa meio mitificada, né?

Esperavam de mim um lugar meio “nordestino” entre aspas, esse nordestino unificado, em que todo mundo é igual, todo mundo sabe o que é cuscuz, todo mundo sabe o que é xaxado, todo mundo dança forró, todo mundo usa chita, todo mundo come milho... Existe uma estereotipização. Eu já estava no Rio de Janeiro há anos quando fui assistir a um espetáculo do Grupo Carmin, que é de Natal, chamado A Invenção do Nordeste, baseado no livro de Durval Muniz. Eles ganharam o prêmio de Melhor Espetáculo em uma noite celebradíssima e eu gritava, acho que eu era a única potiguar além deles naquele salão (...)

Gabriele: E é legal de que forma ser nordestino, até que ponto a gente é aceito como nordestino (ou não), que tipo de simbologia tem o sotaque da gente, quando é que ele é bem aceito, quando é que ele é incômodo pra quem tá ouvindo...

Juliana: E ele quem, né? ELES, TANTOS... É isso que eu fico o tempo inteiro pensando, o quanto unificaram uma região plural, sabe? Eu pensava assim "Ah, talvez o disco em termo de tema não fale só sobre isso, não é isso, não quero fazer um disco em que cada música é uma aula sobre A Invenção do Nordeste e Outras Artes", mas eu queria que ele fosse uma faísca pra gente tá aqui hoje, por exemplo. Que honra poder discutir isso com você na rádio Frei Caneca, que eu acho incrível. É uma entrada maravilhosa para um assunto que nós, nordestinos, precisamos pensar, falar, entender...

***

Quer continuar acompanhando esse bate-papo? Escute a entrevista completa aqui! O #TBT101 é uma coluna em que toda quinta-feira vamos relembrar entrevistas que já rolaram na rádio pública do Recife. Sintoniza com a gente nas estradas da cultura!

Todas as faixas de entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud).


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