Robeyoncé Lima. (Foto: Reprodução/internet)
Por Débora Borges
É julho e com ele vem o mês das pretas! E o #TBT101 desta semana traz uma entrevista com Robeyoncé Lima, que aborda o tema “13 de Maio não é Dia de Negro(a)”, no programa TPM – Tempo Pra Mim, em maio de 2024, apresentado por Priscila Xavier.
Robeyoncé Lima é a primeira advogada travesti preta de Pernambuco e Vice-presidenta da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB/PE.
Confira um pouco da entrevista abaixo:
Priscila Xavier: Na questão da educação, o que a gente de fato aprende na escola sobre o 13 de maio, que é o dia da abolição da escravatura, e mostra a Princesa Isabel com a Lei Áurea, como se ela tivesse sido a salvadora, né? Uma figura branca como salvadora, isso é nocivo? Porque hoje as escolas não atualizam currículo, a não ser que seja uma escola que realmente tenha uma preocupação pedagógica diferenciada e afrocentrada, mas não é a maioria das escolas que a gente vê no Brasil. Então qual o impacto que isso pode ter para as nossas crianças, e até pra gente, que não faz um letramento racial?
Robeyoncé Lima: Ainda hoje, em pleno século 21 a gente tem uma ideia distorcida do 13 de maio, da Lei Áurea, e se coloca muitas vezes, a Princesa Isabel, muitas vezes até pela própria escola como a salvadora da pátria, como aquela que foi a grande libertadora ou a grande heroína daquela época, então quando a gente para pra pensar nisso, a gente não reflete sobre as reais intenções e interesses do estado brasileiro naquela época, né? A gente sabe muito bem que houve a pressão da Inglaterra para que houvesse essa Lei Áurea, para que pudesse haver um público consumidor. As pessoas escravizadas não recebiam salário, então isso não era interessante para o capitalismo, ou seja, não foi somente a bondade da nossa colega Princesa Isabel, a gente sabe que houve outros interesses. Quando você para pra fazer uma pesquisa, você vê a simplicidade do ato, foi uma coisa tão sob pressão, tão sem articulação, sem diálogo, com outros interesses, que foi basicamente o interesse de atender o capitalismo e não se pensou muito na população negra, não se pensou na consequência ou nas perspectivas reparatórias, né?
Na verdade, o que aconteceu foi a criminalização do povo negro a partir de então, a pessoa estava “liberta” mas começou a ser punida pela capoeiragem, pela vadiagem. […] E existe uma lei que obriga a educação afro-brasileira nas escolas, e esse 13 de maio deve ou deveria pelo menos ser abordado nessa perspectiva. Infelizmente muitas escolas ainda hoje não passam dessa abordagem superficial de que foi uma mulher branca que assinou a lei e libertou as pessoas escravizadas em 1888 e que até hoje não existe racismo no Brasil porque simplesmente não imaginam.
Priscila Xavier: Inclusive os livros de história só contam das pessoas negras como se a vida delas tivesse começado chegando no Brasil e como se elas tivessem vindo tranquilamente, né, como se a violência não tivesse acontecido antes, como se não tivessem histórias e biografias anteriores a isso, né?
Robeyoncé Lima: Muito grave isso, né? E essa perspectiva de que houve depois que aboliu a escravidão, uma harmonia entre o ex-dono do escravizado e o ex-escravizado […] e isso parte muito de uma perspectiva de que há uma comparação muito forte com a forma do racismo adotada e a forma institucionalizada adotada em outras nações, né? Como na África do Sul que houve o Apartheid, como nos Estados Unidos que houve segregação racial institucionalizada. Houve na lei norte-americana o ônibus de branco e o ônibus de negro, escola pra gente branca e escola pra gente negra, no Brasil isso não existiu. E aí se cria uma narrativa de que não existe racismo no Brasil porque não está na lei, quando na verdade existe, e o nosso inclusive é mais sutil pois ele não está na legislação mas está nas relações sociais, né? Quando a gente encontra por exemplo arquivos no livro de Joaquim Nabuco, ele chega e diz: ‘O ex-escravizado nunca se revoltou contra o seu dono porque ele encontrou todas as portas abertas diante de si. nunca houve segregação racial no nosso país’, então veja, são essas narrativas que se constroem, passando por Gilberto Freire, Casa-Grande & Senzala, daquela harmonia entre as pessoas negras e brancas, que é a maior fanfic que a gente pode e deve problematizar toda essa discussão.
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Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no Youtube. Toda quinta-feira publicamos a coluna #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a 101.5 trouxe na grade de programação.