Foto: Reprodução/Internet
Por Johnny de Sousa
“A práxis do improvável junto à epifania da desordem” é um recorte de uma fala de Irandhir Santos no filme “Tatuagem” (Hilton Lacerda, 2013). Ao meu ver, essas aspas são representações fieis de como a cabeça de um verdadeiro artista funciona, querendo se desafiar a cruzar um caminho nunca antes trilhado, sugerindo, assim, desafiar até o seu público. É improvável se pensar na prática de diversas áreas da arte na figura de uma única pessoa, sendo isto, no entanto, algo que se vê a cada dificuldade atribuída pelo tempo.
Sophia William soube se encontrar na poesia, na dança e no teatro, transformando suas dificuldades em objetos artísticos que a guiaram para descobrir quem ela realmente é. Como mulher trans, preta e trabalhadora da arte, ela se mostra uma sobrevivente dentro de uma realidade praticamente impossível de se existir, sendo um dos nomes mais relevantes do teatro pernambucano através do Coletivo Agridoce.
Esse desafio de se reinventar e ter vontade de expressar-se em diversas áreas chamou a atenção de Manoel Constantino, apresentador do programa Papo de Artista, levando Sophia a trocar uma ideia em entrevista. Além de debaterem a entrada dela no mundo das artes, ambos refletem sobre questões de gênero e a importância de se deixar ser inteira enquanto artista, visto que cada verbo realizado pode ser uma marca sua deixada no mundo.
Manoel: A ideia principal deste programa é fazer com que o público conheça melhor os seus artistas, falando de suas vidas. O objetivo é fazer o público entender que não existe essa história de que a nossa vida é fácil. Na verdade é, como eu costumo dizer, uma “ralação” (risos)! Quando foi que você se interessou pela arte, de modo geral?
Sophia: Então, desde cedo fui interessada em arte, mas comecei mesmo tendo uma paixão pela dança. Tinha muito essa vontade de dançar, mas na minha época era difícil ter condição pra pagar uma escola de dança, então meio que deixei isso de lado. Porém, minha mãe, sabendo desse interesse, me colocou em um curso de teatro, sendo essa, então, minha primeira porta de entrada. Foi só com 16 anos que comecei a dançar, ingressando no Balé Popular do Recife.
Nesse momento da conversa, Manoel se empolga e puxa o foco da conversa de volta para o teatro, querendo saber o que Sophia descobriu nessa poderosa vertente. Em um suspiro encantador, o locutor pergunta “O que é teatro?”.
Sophia: Pra mim, foi uma descoberta. Não só foi me descobrir como artista, mas também como pessoa. Acredito que o teatro me ajudou a entender quem eu era diante do contexto que a gente vive, pois, sendo eu, hoje, uma mulher trans e preta inserida numa sociedade misógina, descobri o valor da minha pessoa desde antes da minha transição.
Manoel: Foi você se descobrindo através da arte, não é?
Sophia: Exatamente. E aí, meu primeiro personagem, que eu fiz num teste, depois do fim da oficina, foi Jasão, de Gota D’Água. Anos depois, eu fiz um curso com o coletivo Angu, que era voltado para pessoas trans e travestis, e aí eu já tinha transacionado, feito tudo… E lá, fizeram um montinho com diversos personagens e seus detalhes, que era pra gente interpretar. Caiu, exatamente pra mim, Medéia. Pra mim foi uma volta ao mundo, pois comecei lá atrás, com 12 anos, fazendo Jasão, e agora Medéia, depois de transicionar. Quando contei pro povo do grupo, ficou todo mundo sem acreditar (risos). Parecia que era pra ser, mesmo, sabe?
***
Fechando a sua santíssima trindade, Sophia revela como ingressou também na dança e na poesia, contando ainda que trabalha em favor de misturar todas essas vertentes numa única coisa. O uso da voz, somado aos movimentos do corpo, permite entrar um ar de liberdade plenamente artístico, se deixando ser um produto daquilo que sempre trabalhou para ser, até que enfim, se encontrando em um estado poético, livre e criativo. Sophia atuou para se descobrir, dançou para se libertar e declamou para ter voz ativa.
Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, relembramos entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)
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