Samantha e Janaína no estúdio da Frei Caneca FM. (Foto: Acervo)
Por Bárbara Bittencourt
Ela chegou como um acontecimento no estúdio da Frei Caneca FM e saiu deixando uma mensagem carregada de potência e conhecimento. Samantha Vallentine, mulher trans e negra, graduanda do curso de Ciências Sociais da UFPE e presidenta da NATRAPE (Nova Associação de Pessoas Trans e Travestis de Pernambuco), foi entrevistada por Janaína Serra no Calor da Rua, em agosto de 2023, para falar sobre o lançamento do seu livro “Transnarrativas sobre a relação das Travestis e Pessoas Trans e a Empregabilidade”.
O material é resultado do Trabalho de Conclusão da sua graduação, dedicando-se a pesquisar dados sobre as condições socioeconômicas de pessoas Trans e Travestis de Pernambuco, uma vez que o Estado não faz esse papel. Ele nasce com a proposta de dar visibilidade às epistemologias Trans, utilizando-se de conceitos como “Morte Social”, de Sayonara Nogueira, “Cissexismo” e “Transfeminismo” de Jaqueline de Jesus, e seus próprios conceitos: “Transterritórios” e “Transnarrativas”.
É por isso que eu quis lembrar, no TBT desta semana, desse momento tão importante para as ondas da Frei Caneca FM.
Janaína Serra: Samantha, você cita um dado que diz que apenas 33% da população Transsexual concluiu o Ensino Médio. E você não só faz parte dessa porcentagem como também concluiu o Ensino Superior e, a partir disso, produziu dados sobre empregabilidade. O que possibilita que você consiga um emprego que tenha um “valor social” maior e no qual se ganhe mais financeiramente, ainda confrontando esses 33%.
Samantha Vallentine: Isso é muito complexo porque a gente pensa que Samantha está fora da curva, fora da norma, e a norma diz que apenas 33% de nós conseguem concluir o Ensino Médio. Eu sou a primeira mulher trans bacharel em Ciências Sociais pela UFPE. Por isso, quando eu chego na academia e provoco esses lugares, estou perguntando: ‘Por que só Samantha chegou aqui? Por que nós, que carregamos tanta potência quanto qualquer outro ser humano, somente no século XXI, em 2023, temos uma travesti ocupando esse espaço? No século XVI, Xica Manicongo já estava lá, já tínhamos uma população tão potente, então por que só agora?’. Eu chego aqui não dizendo que sou uma vencedora, mas dizendo que ainda precisamos de outras e outras travestis e pessoas trans neste espaço. E a empregabilidade, para mim, é algo que talvez não aconteça nem tão cedo, porque, diante de tantas violências, será que Samantha vai conseguir chegar nesse espaço, só porque ela tem um Ensino Superior? Temos que lembrar que eu sou um corpo marcado, sou uma travesti preta e periférica, e essas são barreiras sociais que fazem com que muitas pessoas não consigam acessar o mercado de trabalho.
Janaína Serra: Vamos contar para as pessoas que estão ouvindo a gente sobre o seu trabalho com o livro, que dados são esses que você coletou.
Samantha Vallentine: Esse livro é um produto não só da minha experiência como metodologia, enquanto travesti preta e periférica, mas também traz dados estatísticos e metodologias científicas da academia. Ele tem diversas dimensões, a do corpo político, a da minha subjetividade, falando também do momento em que os movimentos sociais começam a reivindicar esse lugar de empregabilidade – que é importante para que façamos um aparato histórico, voltando a esse lugar de Xica Manicongo e das transcestralidades. Então, o livro é muito interessante (e aqui a autora faz um adendo, ressaltando o sorriso de Samantha enquanto fala do seu trabalho) e quanto mais eu falo dele, mais vou entendendo como ele é e como ele vai ganhando uma capilaridade. [...] A partir das transnarrativas, esse lugar de produção de saberes tão potentes, são construídas políticas públicas, capazes de trazer esses corpos para espaços que são importantes para a construção psicossocial de qualquer ser humano…
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, relembramos entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.)
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