Da esquerda para a direita, vemos Pedro Severien e Manoel Constantino no estúdio da Frei Caneca FM.
Por Mateus Paegle
A produção cinematográfica pode ser vista, além de uma vertente artística, como ferramenta de construção de perspectivas futuras e de transformação da realidade social, cultural e política que a cerca. Assim descreve Pedro Loureiro Severien, conhecido enquanto diretor, roteirista e produtor cinematográfico como Severino.
Criador, além de outras obras, do longa premiado “Todas As Cores da Noite” e dos curtas “Loja de Répteis” e “Canção Para Minha Irmã”, o cineasta também destaca a relação do seu nome artístico com a ideia de pensar o cinema a partir da realidade social e das raízes culturais nordestinas e brasileiras. Citando também a importância do nome “Severino” como uma forma de afirmação e resistência cultural diante da contestação da brasilidade por movimentos políticos de extrema direita nos últimos anos.
É com o objetivo de trazer um olhar para a força e originalidade do cinema pernambucano que o #TBT101 de hoje relembra a edição do programa Papo de Artista em que Severino conversou com Manoel Constantino sobre sua trajetória e inspirações que marcaram o início dentro do mundo do cinema. No programa que foi ao ar em 15 de maio de 2024, Severino também contou um pouco mais sobre suas produções, projetos em andamento e refletiu com Manoel sobre a importância social e política da cultura. Confira alguns trechos da entrevista:
Manoel: Como e quando você se engraçou pelo cinema?
Severino: Olha, eu comecei o caminho artístico primeiro pela literatura, eu queria ser escritor, eu era muito fissurado nessa literatura latino americana do realismo fantástico, desde Jorge Amado, Gabriel Garcia Márquez, e aí eu comecei a escrever e pensar poeticamente. Isso foi numa época em que eu ia muito nas locadoras de cinema, eu ainda peguei a época dos VHS, as locadoras eram em VHS e eram espaços mágicos, até porque tinham ótimas locadoras aqui em Recife, com curadorias tanto do cinema comercial quanto do cinema de arte, do cinema independente. Então eu era um consumidor ávido. Eu assistia filmes, na adolescência, muito a partir das seções de locadora. Lembro que tinha uma classificação, uma divisão espacial de uma locadora, além das seções de aventura, romance, terror e comédia, tinha uma seção chamada “filmes de arte”. Essa seção era um conjunto meio abstrato, com esse nome “filmes de arte”, mas era onde ficavam os filmes clássicos, filmes que contestavam os formatos, que experimentavam a linguagem e eu comecei a ficar curioso com esses filmes, eu pensava: “Que filmes são esses?”. Foi quando eu mudei um pouco o meu olhar, porque isso me atraiu, me gerou um desejo de fazer cinema e foi justamente num período onde o cinema pernambucano estava sendo retomado, ali nos anos 90. Aqui um dos grandes marcos dessa retomada foi o Baile Perfumado (...) Nessa época também tinha o movimento Manguebeat, com Chico Science, Nação Zumbi, Mundo Livre, então eu fui meio que beber nessa fonte, de pensar o contemporâneo a partir também da ligação com o nosso lugar, com a nossa cultura.
Manoel: As pessoas quando viram artistas por profissão, por escolha, isso traz algo muito forte, porque você vai expor o seu olhar sobre o mundo e vai ter o mundo olhando para você.
Severino: Porque é um trabalho que requer muita disciplina, requer uma espécie de comprometimento espiritual, no sentido de como você se conecta com essa trajetória de vida, é um propósito. Então isso tem que ser alimentado, tem que ser cuidado, nem sempre você vai conseguir o que você quer, tem muitas dificuldades, fazer cinema no Brasil é muito burocrático.
Manoel: Ainda é uma coisa muito burocrática e infelizmente aqui no Nordeste ainda não há o estímulo necessário, creio eu, ainda não há mesmo e eu digo isso até para que os gestores políticos que estão nos poderes olhem com mais… não é nem benevolência, olhe com mais clareza mesmo a importância da cultura enquanto cadeia produtiva. Quando a gente descobre, Severino, que as artes colaboram com o PIB do Brasil em mais de 3% e emprega 5 milhões de pessoas!
Severino: Exato, Manoel, pensar a cultura como esse lugar folclórico, que está ali para olharmos como se estivesse num aquário. a cultura permeia a atividade social, permeia a atividade econômica, gera emprego, gera renda e gera essa produção das identidades que vão projetar a gente no mundo. Então a cultura faz a gente pensar a nossa posição como uma força de transformação. Por isso que essa transformação não é apenas subjetiva, ela é material também, ela transforma dando emprego, dando renda, construindo inovação tecnológica e tudo isso é estratégico para quem quer construir soberania, para quem quer construir independência e autonomia. Por isso que a cultura precisa ser vista de forma integrada.
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Confira essa entrevista na íntegra através do nosso canal no Spotify. Toda quinta-feira publicamos a coluna #TBT101, onde o ouvinte relembra entrevistas importantes que a 101.5 trouxe na grade de programação.
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