(Crédito: Tiago Calazans)
Por Johnny de Sousa
Inovação sempre foi um totem importante nas melhores cenas musicais. Numa pesquisa realizada pela jornalista Ângela Prysthon, afirma-se que o paralelo existente entre Manchester, Seattle e Recife eram suas cenas extremamente pulsantes, com cada banda objetivando não fazer um som parecido com o de seus companheiros. As noites passaram a ser mais coloridas com a prevalência do legado das bandas noventistas. Em Recife e Olinda, surgiram as diversas crias do manguebeat, da nova cena autoral da canção e do pop, e assim foi até o momento em que o mundo, de fato, parou.
Com o grande enfrentamento da pandemia, a cena musical encontrou dificuldades improváveis, o que não impediu, no entanto, os artistas referência de lançarem discos que desafiassem a lógica daquele tempo.
Em fevereiro de 2022, Mundo Livre S/A fez do não-carnaval uma festa verdadeira, lançando o disco Walking Dead Folia. Fred ZeroQuatro se reafirma como grande cronista, relatando os eventos dramáticos da pandemia, com a ótica de quem lê um grande conto de horror escrito por Jonathan Maberry. Para partilhar sua obra com o público, ZeroQuatro vai até o BR-101.5 contar para Gabriele Alves e seus ouvintes o que ele viu durante a produção do álbum, o que ele aprendeu e o que, de fato, aconteceu para a formação dessa obra.
Gabriele: Estamos aqui, mais uma vez, para pautar aquilo que se faz importante dentro da nossa cultura, e o novo álbum da Mundo Livre, o Walking Dead Folia, não poderia estar fora disso. Me conta aí sobre esse enredo de uma Graphic Novel Holocáustica.
Fred: Em outubro, nós lançamos um manifesto-vídeo sobre o que seria o álbum. Não tínhamos um título para o disco, mas tínhamos um manifesto para ele… Igual foi feito há trinta anos, no movimento mangue. Eu senti falta de escrever um manifesto sobre o que seria esse álbum, no qual o conceito era essa Graphic Novel Holocáustica, a começar pela capa que já representa uma estética de quadrinho adulto. Acho que a arte de Wendell Araújo trouxe um contraste para o universo tenebroso do álbum , sabe? Tem o colorido do carnaval, só que inserido na realidade macabra que o Brasil tá passando. Eu enfrentei esses últimos dois anos pensando em toda a minha trajetória, de artista a militante, pois nunca imaginei que iria viver um momento tão esquisito como esse. Antes de ser artista, ou até jornalista de formação, eu sou um cidadão, e por mais que eu goste de escrever sobre coisas leves, eu não consigo gravar um álbum dissociado da realidade.
Gabriele: E de onde veio o título do álbum?
Fred: No geral, é o seguinte; “Walking Dead Folia” surge a partir do momento em que eu encontrei o nome da penúltima faixa, “Walking Dead Ciranda (A Maldição 2)”, que tem uma participação brilhante do meu parceiro Jorge Du Peixe. Essa faixa, além de tudo, é uma continuação de uma outra música, que veio do nosso álbum anterior, chamado de “A Dança dos Não Famosos”. Nele, tem uma música chamada “A Maldição das Páginas que Não Viram'', a qual faz referência, assim como todo o álbum, a um outro momento muito dramático na história do país, voltando para o ano de 2016. Enfim, tentei fazer da instrumentação uma referência a essa faixa anterior, pedindo para que nosso tecladista fizesse algo mais ou menos parecido com “A Maldição'', sendo que ele me mandou algo diferente: quando o teclado entra no início da música, ele disse ter feito algo inspirado em Laranja Mecânica, só que eu senti essa música como se fosse uma ciranda zumbi. Meio que serve como uma metáfora do que a gente tem vivido no país ultimamente, da pandemia ao Tik Tok.
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E como não é possível fazer uma cena musical sozinho, a conversa com um dos pioneiros do movimento manguebeat enveredou pelos encontros e parcerias que enriquecem e transformam algumas faixas, e podem até mesmo abalar o pensamento da banda como um todo.
Gabriele: Além de Jorge Du Peixe, tem Doralyce e WR no Beat, porque tem Brega Funk nesse álbum também, né?
Fred: Isso, uma releitura de “Melô das Musa da Ilha Grande''. (...) A gente adora a batida do Brega Funk, adora mesmo. Teve um carnaval que fomos tocar junto com Otto, numa festa privada em Olinda, e junto com as atrações estavam Shevchenko e Elloco no camarim ao lado do nosso. Foi a primeira vez que tive contato com essa turma, e eles me chamaram, chamaram Otto também, pra ir lá conversar… E pô, pagaram o maior pau (risos). Disseram que eram super influenciados pelo Mangue, e por Chico também. Nesse momento caiu a ficha pra mim, de que há uma conexão entre o Brega Funk e o Manguebeat. O que é o Brega Funk se não uma versão 2.0 da postura de Chico Science? Ou seja, um movimento musical que surgiu com quase nenhum recurso empresarial ou financeiro, enfrentando condições de precariedade, e que vem conseguindo, mesmo assim, criar de forma muito inventiva algo irresistível.
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Além de dar destaque à cena Brega atual de Recife, Fred fez questão de agradecer à equipe que esteve por trás da produção da nova estética da Mundo Livre: além de Doralyce e WR no Beat, houve a presença do Coletivo Pão e Tinta, assim como o grupo Barbarize, que cuidou dos visuais do clipe e trouxe uma nova noção de cena musical para a banda.
Dessa forma, pode-se contemplar outro senso de coletividade na cultura local, mostrando que a nossa música, com toda a sua diversidade, sempre se estrutura a partir de uma antena parabólica enfiada na lama da manguetown, dando origem a um único grande gênero musical em que basta deixar tudo soando bem aos ouvidos.
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que toda quinta-feira vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife.
Todas as faixas de entrevistas do BR-101.5 estão disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).
Vem de carona com a gente pelas estradas da cultura!
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