(Janaína Serra conversou com a escritora e cordelista, Auritha Tabajara. Foto: Arquivo Pessoal)
Por Luiz Rodolfo Libonati
Nascida em Ipueiras, município do interior do Ceará, Francisca Aurilene Gomes carrega consigo, além da tradição e dos saberes de seu povo, a alcunha de primeira mulher indígena cordelista a publicar seus poemas de cordel no país. Conhecida por seu nome ancestral Auritha Tabajara, é escritora, contadora de histórias, tal como sua avó Francisca Gomes, parteira que foi a primeira pessoa a segurá-la nos braços, e é também terapeuta holística em ervas medicinais.
Guiada desde nova por uma consciência natural de si sobre a importância da escrita e leitura, Auritha sempre se interessou pela palavra rimada. E foi com esse apreço pela rima que aprendeu a interpretar e contar, por conta própria, as histórias que ouvia. Mais do que isso, a registrar tudo o que compõe a cultura Tabajara de Ipueiras de que nasceu herdeira. Hoje, ela tem o livro que foi o seu primeiro publicado, “Magistério Indígena em Verso e Poesia” (2010), adotado pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará para compor as leituras nas escolas públicas.
Outra obra sua de destaque, “Coração na Aldeia, Pés no Mundo”, lançado em 2018, chegou a ser classificado como altamente recomendado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e inspirou o documentário “A mulher sem chão”. Para saber melhor sobre tudo isso, a apresentadora Janaína Serra recebeu Auritha Tabajara no programa Relicário, via videochamada, no último dia 19, Dia dos Povos Indígenas. Abaixo você confere um trecho.
Auritha Tabajara: (Cordel de apresentação)
“Eu sou Auritha Tabajara
Nascida longe da praia
Fascinada pela rima
E melodia da jandaia
No Ceará foi a festa
Meu leito foi a floresta
Nas folhas de samambaia
Minha essência ancestral
Me encontra cordelizando
Em amparo faz-me existir
E ao mundo eu vou contando
Que a minha forma de amar
Ninguém vai colonizar
De arte vou me armando
Filha da Mãe Natureza
Mulher guerreira eu sou
Com a força feminina
Cinco séculos atravessou
Cada vez mais sábia e forte
O meu medo é a morte
Que o preconceito gerou
Hoje esta mulher levanta
Com letra e voz autoral
Contra toda violência
Por um amor ancestral
De um corpo ensanguentado
Usado sem ser amado
Mas com espírito imortal
Minha avó é referência
Desde o tempo de menina
Até me tornar mulher
As histórias que ela ensina
Me incentivam a falar
Que a mulher tem seu lugar
E é raiz que nunca termina
Eu não sou como Iracema
A de José de Alencar
Sou do povo Tabajara
Onde canta o sabiá
Minha aldeia tem umburana
E minha terra é soberana
Pelo toque do maracá”
Essa sou eu!
Janaína Serra: Gente! Que coisa linda, Auritha! É a melhor forma mesmo de se apresentar, com tanta poesia. Olha, então vamos fazer o seguinte. Já que você falou da sua avó, falou de ancestralidade, eu sei que a sua avó tem um lugar fundamental na sua vida e eu queria que você contasse a história do seu nome. Seu nome Auritha significa “pedra de luz”, não é isso?
Auritha Tabajara: É isso mesmo. ‘Áurea’ é de luz, ‘ita’ é pedra na língua Tupi. Foi o nome que eu recebi na hora do meu nascimento pela minha avó, Francisca Tabajara, que hoje está com 94 anos, é rezadeira, benzedeira, mezinheira. É parteira - foi ela quem me pegou no colo pela primeira vez - e é uma das maiores contadoras de histórias da região. Minha avó conta que eu chorei na barriga da minha mãe aos 8 meses de vida, então, por essa razão, eu recebi o nome de Auritha na hora do meu nascimento. Então o choro na barriga da minha mãe foi o meu primeiro grito de resistência.
Essa missão que a gente acredita que traz, ao chorar na barriga da mãe - nós, indígenas, acreditamos nisso -, é trazer essa força ancestral que a gente carrega desde muito antes dos nossos bisavós e tataravós nascerem. Eu gosto muito de contar essa história, me emociono a cada vez que a minha avó conta ela para mim, porque a cada vez que eu escuto a minha avó falar, tenho um aprendizado diferente. E a frase que vem junto com o meu nome, que a minha avó sempre me diz, é: não esqueça quem você é, o significado do seu nome e não deixe nunca ninguém cortar as pontas das asas secretas com que você nasceu. Essa é a Auritha Tabajara e eu trago isso através da literatura.
Ao longo da conversa, ela falou também sobre a sua produção literária. Sempre por meio da poesia do cordel, explora temas diversos, como as ervas medicinais, chás e remédios caseiros, assunto explorado em seu folheto “Ervas tradicionais: a memória do meu povo” a partir dos ensinamentos da avó. Ou, ainda, a exemplo de sua vivência LGBTQIA+, com seu cordel intitulado “Eu já nasci sapatão” (declamado na entrevista). Munida da escrita cordelista desde que se entende como gente, Auritha faz valer o significado ancestral de seu nome e, brilhante como a pedra que ilumina, registra o sentido da vida vivida tanto na aldeia como no mundo.
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud).
Relicário | Dia dos Povos Indígenas com Auritha Tabajara (19/04/23) - Parte 1
Relicário | Dia dos Povos Indígenas com Auritha Tabajara (19/04/23) - Parte 2
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