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#TBT101: Ancestralidade e maternância: quando as narrativas dão à luz um diferente viver a maternidade

09.11.23 - 06H20
Priscila Obaci e seu filho, Melik.
Priscila Obaci e seu filho, Melik. (Foto: Semayat Oliveira)

Por Luiz Rodolfo Libonati

“Na vida, a gente tem vários nascimentos. Tem o nascimento em que a gente sai do ventre da nossa mãe e, após isso, vai tendo vários ciclos”. Assim a multiartista e educadora Priscila Obaci compreende o ponto de encontro entre a ancestralidade e o processo de viver. O ato de nascer, contou em bate-papo com Janaína Serra, se fez novamente presente ao se iniciar no candomblé, renascendo para o orixá, e quando a maternidade chegou para ela. Em meio a toda essa vivência, entre aprender a lidar com os processos de morte e renascimento da vida, assim como de “pensar a maternidade como potência”, ganham espaço a reflexão e o debate sobre a maternância, a maternidade em sua dimensão política.

É a partir desse entendimento que se reflete a carga sociopolítica estabelecida como inerente ao ser mãe. Para a cientista social e mestre em Sociologia Karla Maria, a maternância questiona contornos moralistas historicamente conferidos à maternidade, como os de pureza e trabalho exclusivo da mulher, enquanto propõe repensar as suas questões ético-raciais, de classe e de gênero associadas, além do papel da autonomia, por exemplo.

Segundo Priscila, em sua experiência, a vinda do primeiro filho veio acompanhada da sensação de que não poderia mais dançar, um abalo individual que se reforçou no fato de, por ser mulher, crescer ouvindo que a vida estaria terminada caso se tornasse mãe. Com isso, foi na dança materna que recuperou forças, eventualmente se formando como professora para mães e bebês.

O bate-papo entre Janaína Serra e Priscila Obaci aconteceu no programa Mamas, Minas e Manas, em agosto de 2023. Logo abaixo você confere um trechinho:

Janaína Serra: Bom, a gente colocou como tema deste programa Ancestralidade e Futuro: Narrativas de Maternância. Narrativas porque eu queria te ouvir, queria que você dividisse essas suas narrativas, e ancestralidade e futuro. Quando você se apresenta, a gente recebeu aqui a sua biografia, você se apresenta como filha, como neta… Você faz questão de reverenciar quem veio antes de você. E você trabalha criando possibilidades de futuro. Quando você tem essa preocupação com a infância, sobre que pessoas são essas, quando tem no seu discurso o papel social, político de quem tá exercendo a maternidade, a gente está falando de futuro também. Eu imagino que isso seja consciente no seu caminho. Queria que você falasse sobre isso com a gente.

Priscila Obaci: Bom, para mim, isso é de extrema importância, principalmente honrar essas mulheres. Eu só existo pelo encontro das minhas avós, minha avó Maria e minha avó Creuza. A minha avó Maria era benzedeira e foi visitar o terreiro da minha avó Creuza, que era mãe de santo de umbanda, e por isso meus pais se conheceram, e por isso eu existo. Então essas mulheres são muito importantes na minha vida. Eu não conheci minha avó materna, ela faleceu quando minha mãe estava grávida de mim, mas eu convivi 21 anos com a minha avó paterna e ela me ensinou muito sobre acolhimento, sobre cuidado, sobre fé e o quanto é importante a gente partilhar o que a gente tem. 

A minha avó sempre teve uma vida com as dificuldades de uma família preta, mesmo, que veio de Minas para cá, para São Paulo. A família da minha mãe também, mesmo eu não tendo conhecido minha avó, mas uma família grande, eu tenho 12 tios, e que sempre teve essa coisa da partilha e do cuidado como premissa. Eu cresci vendo a minha avó benzendo crianças, benzendo bebês. Então, chegava o bebê lá, todo molinho, que o médico já não sabia o que era e  minha avó benzia, esse bebê saía de lá rindo, brincando.

De todas as formas, esse cuidado sempre esteve presente. E, para mim, é muito forte ouvir isso de uma entidade, de um preto velho, que a nossa prosperidade é cuidar da nossa descendência, porque é uma forma da gente cuidar da nossa ancestralidade. Minha avó não está mais aqui, mas, cuidando dos meus filhos, eu estou cuidando dela, porque eu estou cuidando do legado que ela deixou. E as nossas famílias tiveram muito essa coisa de… elas podiam ir até um lugar, então, a minha avó estudou até a 4ª série, meu pai estudou até o Ensino Médio e eu fiz graduação. E aí eu estou falando disso, da escola – que talvez nem seja o melhor exemplo, porque é um lugar que massacra muito a gente enquanto pessoa preta – nesse lugar, mesmo, de acessar lugares. Então, quando eu faço coisas, reverenciar minha ancestralidade é continuar o caminho que essas mulheres abriram.

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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud, além do YouTube).


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