Participação da Rede de Mulheres de Terreiro no VI encontro pernambucano de mulheres de terreiro. Foto: Inaldo Lins
Por Johnny de Sousa
Há pouco menos de um mês, presenciamos as eleições presidenciais do Brasil, sendo esta última edição da festa da democracia a mais tensa e competitiva da história. Já se passaram os resultados, primeiro e segundo turno, e ainda estamos passando pelos efeitos de uma eleição extremamente acirrada, ainda muito doída por um lado que simplesmente não aceita uma decisão democrática. Durante quatro anos, é fato que observamos uma corrosão social montada por uma ótica fascista, que segregou os povos originários de seus direitos mais básicos, de vida e de escolha.
Independente da escolha do seu candidato, o que deve acontecer ao final desse ciclo político é a continuação da luta por direitos iguais, mesmo que seja necessário focar naqueles que são sempre os mais vulnerabilizados, injustamente, pela história. É desde a invasão do país, que a sua base - formada por pretos e indígenas - é violentada e morta, praticamente todos os dias. Algo, infelizmente, normalizado aos olhos dos proprietários do terceiro mundo. Por isso, são tão necessários estes grupos de resistência, que batalham pela ocupação dos seus espaços de direito que tanto lhes foram negados.
A apresentadora do TPM - Tempo Pra Mim, Priscila Xavier, debateu sobre essas pautas a poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, no dia 26 de outubro. Colocando sobre a mesa as pautas de voto, ancestralidade e negritude, o TPM recebeu Vera Baroni, mulher negra, advogada e ativista dos direitos humanos, além de coordenadora da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco.
Priscila Xavier: Pra quem acompanhou o último TPM, eu conversei com uma mulher evangélica sobre o autocuidado das mulheres cristãs, além da sua relação com o voto e a política dentro das igrejas. Nesse momento, estamos com dois candidatos presidenciáveis que só têm falado da questão evangélica no Brasil, tentando chamar a atenção justamente desses fiéis e ganhar sua confiança. No entanto, ambos estão deixando de lado o povo do terreiro, que também são votantes e permanecem excluídos das pautas políticas. Como você enxerga essa questão de invisibilidade em plena campanha eleitoral?
Vera Baroni: Veja, Priscila, nós estamos vivenciando, de forma aberta, algo que o povo negro já denuncia a muito tempo. Uma violência prometida a ser resolvida a muito tempo, mas que nunca foi. Isso é racismo. Esta situação não é apenas atrelada ao racismo religioso, mas também ao que está presente em nossas instituições, relações sociais e individuais. Então estamos num momento em que o racismo rasgou a máscara e se mostra de forma muito violenta, sendo esta a principal marca do Estado brasileiro desde que os invasores chegaram aqui. Neste momento, o fundamentalismo religioso é uma violência constituída num plano de governo! Estamos divididos em duas visões de mundo, e com certeza, nós, pretos (as), sofremos com a pior parte dessa divisão. É necessário que o povo preto, que é maioria no país, saiba lutar, pois precisamos demonstrar força quando nos encontramos em desvantagem dentro dos grupos com menor aquisição econômica. A liberdade de expressão é algo fundamental, mas nós não suportamos o racismo em nenhuma de suas formas. Por isso que vamos nos utilizar dos meios democráticos para fazer desta uma luta válida.
Priscila: Como coordenadora da Rede de Mulheres de Terreiro, gostaria de saber o que vocês fazem para combater esse racismo tão fervoroso aqui no país. Muitas vezes, se comete esse crime sem ao menos saber o que ele significa, o que acontece por um total desconhecimento das questões raciais intrínsecas à nossa nação. Como a rede lida com isso?
Vera: Bem, a rede reconhece e busca praticar seus atos por meio da diversidade. Quando se trata de uma rede de mulheres de terreiro, estamos lidando com várias vertentes diferentes, que vão da Umbanda até a Jurema Sagrada. Nós realmente continuamos a ser negadas por conta de um mecanismo histórico. Por exemplo, Rui Barbosa, um dos principais ministros do Estado Brasileiro, mandou que todos os documentos relacionados a escravidão fossem queimados, para que tal ato não fosse lembrado. O que ocorreu através disso foi um desconhecimento ancestral por parte de toda uma geração de pessoas negras, cujos ancestrais foram roubados da sua terra mãe. Não houve uma melhora diante do racismo, pelo contrário! O que buscamos fazer, portanto, é com que a população negra reconheça, novamente, sua cultura, suas crenças e seus ancestrais. O conformismo contra o povo preto e sua cultura se dá através do fundamentalismo religioso. Nós somos comparados ao mal, visto que a macumba é usada como um termo pejorativo, como se um macumbeiro fosse um praticante do mal, e esquecendo que essa palavra diz respeito a um instrumento. É através da afirmação de nossa crença que conseguimos mostrar ao resto do povo o que significa, realmente, o que pregamos, pois não somos nem considerados cidadãos brasileiros.
Nesse momento, Priscila afirma que é através do bem estar e afirmação da identidade negra que se é capaz de mudar as visões de estado que se têm sobre os povos originários. Reivindicando a importância da ancestralidade, da prática de costumes e da exigência por respeito é que se faz lembrar a importância de se preservar a vida, vida esta que anda pelas ruas, trabalha, se alimenta e vota.
Priscila: Queria que você falasse da importância do voto. Para as pessoas que têm acesso às urnas eletrônicas, principalmente as mulheres de terreiro, é muito importante reforçar a necessidade de uma mudança para um estado mais favorável às políticas raciais e religiosas, para que estas não sejam banalizadas como temos visto. Como você vê a importância do voto neste momento?
Vera: Lembrei que o TRE está fazendo uma campanha sobre liberdade de voto. Eu penso no quanto isso é importante, porém, não se pode descartar a consciência na hora do voto. Você estabelecer essa liberdade de voto num momento em que o bem-estar social se encontra voltado apenas para uma camada da população, não me parece justo. Neste segundo turno temos dois candidatos e o que impera sobre o país é a ideia de que tudo aquilo que foi construído para se melhorar a qualidade de vida das pessoas está sendo jogado para o lado do mal. Por outro lado, as igrejas estão servindo em nome do doutrinamento do voto, o que não é admissível numa democracia. Política deve ser uma discussão saudável, jamais uma disputa soberana pelo poder, afinal, o voto pertence ao povo. É importante demais a presença de grupos ativistas em movimentos politicos, grupos que possam representar negros, mulheres e indígenas e que exerçam suas devidas pressões para uma melhora social. Precisamos da representação de todas as formas de crença também, pois é através disso que se enriquece o nosso meio político.
Hoje já estamos com um presidente eleito por voto popular, mostrando que os meios democráticos ainda funcionam no Brasil, sim, e que o povo permanece com seu direito de escolha. No entanto, não se pode pensar numa democracia que segrega costumes e crenças de povos que fundamentam a história de uma nação, menos ainda admitir que tais minorias devam protestar e debater suas pautas a partir de normas conservadoras e exclusivamente brancas. Independente da coluna política escolhida para erguer a presidência do Brasil, a pressão popular, de pretos, brancos, índígenas, homens e mulheres, se faz necessária como um motor de melhoria histórica. Pois bem, sigamos!
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