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#TBT101 - Julho das Pretas: mês visibiliza o protagonismo negro feminino nas diversas frentes de produção

06.07.23 - 12H51
Julho das Pretas: mês visibiliza o protagonismo negro feminino nas diversas frentes de produção

(Foto: Divulgação/Lis Pedreira)

Por Luiz Rodolfo Libonati

 

“Mulheres negras em marcha por reparação e bem viver”. É a partir desse mote que, neste ano, o Julho das Pretas chega para visibilizar a presença feminina negra nas mais diversas formas de produção, da ciência à arte, passando pela política, cultura e economia. Idealizada pelo Instituto da Mulher Negra – Odara (BA), a campanha sociopolítica propositiva surgiu em 2013 para dar destaque ao compromisso histórico oficializado pela ONU como 25 de Julho, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

A data internacional rememora o ano de 1992, quando pela primeira vez o movimento internacional de mulheres negras feministas se reuniu, na cidade de Santo Domingo, República Dominicana, pautado pela garantia dos Direitos Humanos e pelo combate à descriminação étnico-racial e de gênero. Foram postos à mesa assuntos como direitos sexuais reprodutivos, família, representação política e exploração.

No Brasil, é indispensável a gente lembrar, o dia se relaciona fortemente com a figura histórica de Tereza de Benguela, importante líder quilombola do século XVIII. Por duas décadas, no Mato Grosso, a “Rainha Tereza” cabeceou a resistência do Quilombo Quariterê contra o escravismo do período. Desde 2014, seu legado de luta é mantido na memória brasileira com o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

Em julho do ano passado, quando o Julho das Pretas alcançava a décima edição, nossa apresentadora do programa TPM – Tempo Para Mim, Priscila Xavier, recebeu a ativista Érika Francisca, integrante do Instituto Odara, para um bate-papo sobre a campanha, além do autocuidado e a perspectiva de um bem viver. Simbora lembrar como foi?! Abaixo você confere um trecho.

Priscila Xavier: A gente sempre traz essa perspectiva do bem viver entremeado nos temas do Julho das Pretas. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso. Como você entende, dentro da sua perspectiva como mulher preta, como ativista, estando aí em Salvador, esse bem viver a partir da sua própria experiência?

Érika Francisca: Então, Pri, para falar do bem viver, vou trazer o que a gente vivenciou no ano passado, que foi em defesa das vidas negras e pelo bem viver. Por conta do Covid, a gente fez toda uma atividade online. Quando a gente faz esse recorte com a população negra, é para entender quem morre mais, quem está nas zonas das desigualdades, quem tem menos acesso à habitação, mobilidade e a todas as outras coisas.

E, como o tema do Covid é um atual, vou só fazer uma lembrança que eu considero interessante. É a gente entender, quem foi a primeira pessoa que morreu de Covid no Brasil? A primeira vítima mortal do Brasil foi Cleonice de Gonçalves, de 63 anos, empregada doméstica no Rio de Janeiro. E a primeira morte materna foi a da professora baiana Rafaela Silva, de 28 anos e que também é uma mulher negra. Então, quando a gente vai falando e fazendo esse recorte, é para entender realmente onde nós estamos inseridas. Esses dados são da pesquisadora Emanuelle Goes, que tem esse artigo que está aí bem fresquinho.

É para entender que as mulheres trabalhadoras de enfermagem, no Brasil, representam 86% desse público. 53% dessas mulheres são negras e estavam lidando diretamente com pacientes do Covid. Quem perdeu emprego nessa crise, 15% desse público foram homens negros, mais de 38% foram mulheres negras. Então, é importante que a gente apresente dados também, porque é nesses espaços que a gente vai conversando e entendendo por que é que a gente vem trazendo a população negra de fato para esse centro de debate. E fazer também com que toda a sociedade entenda que não basta falar que não é racista, tem que ser antirracista. Você tem que enfrentar e tem que estar na rua.

Trazendo essa pauta do bem viver, enquanto organização pautada nas ações e autonomia de mulheres negras, a gente valoriza a pluralidade de bem viver. Então, a gente discursa, mas também pratica o bem viver. Começa a debater o bem viver muito a partir da marcha de 2015, quando surgiu o bem viver para algumas mulheres, e aí eu me incluo. Eu ficava pensando: “meu Deus, por que marcha de mulheres negras contra o racismo e a violência e pelo bem viver? Que bem viver é esse?”.

Aí, quando você começa a querer saber que bem viver é esse, você confunde com bem estar, porque a gente não está acostumado a exercitar esse bem viver. E o bem estar é mais individual, é você ter condições de estar em um espaço que você queira e se alimentar do que você quer. E está mais envolvido e relacionado com o capitalismo, que tem aquela coisa de “eu quero o smartphone”, “quero o melhor computador”. Isso é bem estar, você ter condições financeiras para ter determinadas coisas.

Já o bem viver, não. O bem viver é introduzido como uma ideologia de vida, é você estar em coletivo, respeitar o coletivo, discursar para e exercitar. Então, o bem viver é respeitar a pluralidade, respeitar todas as individualidades. É trabalhar e estar em coletivo respeitando cada mundo que é cada pessoa. O bem viver é, na hora do almoço, todo mundo colocar a sua marmita na mesa e compartilhar com todas as pessoas, independente de você ter levado ou não. O bem viver a gente pode relacionar com as comunidades de terreiro, como as comunidades de quilombolas experimentam e vivenciam também.

 

Neste ano, o Julho das Pretas é organizado pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), a Rede de Mulheres Negras do Nordeste e a Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira. A agenda coletiva, que você confere aqui, é composta de 446 atividades, a partir de 230 organizações, ao longo de mais de vinte estados brasileiros. O mote “Mulheres negras em marcha por reparação e bem viver”, vale destacar, se comunica com a futura 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, a ser feita em 2025.

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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.

 

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud, além do YouTube).

 


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