(Foto: Reprodução/Internet A Voz da Vitória)
Por Bárbara Bittencourt
As nossas raízes são uma coisa. Termino a frase sem dizer o que são, porque são isso, uma coisa! Um sentimento, talvez, mas sempre uma presença. A questão da identidade comumente se confunde com a questão do local de uma comunidade. Poucos são os que não carregam consigo pelo menos um pedacinho do lugar de onde vieram. As Severinas são um exemplo disso, materializando a poesia e a tradição que tanto orgulha os filhos do Sertão do Pajeú de Pernambuco.
O grupo surgiu de súbito durante o “Forró de Louro”, em Itapetim, uma provocação ao fim da comemoração do aniversário do “Louro do Pajeú”, o importante repentista Lourival Batista. Organizadora do Forró, Isabelly Moreira estava tocando triângulo com Marília Correia na zabumba, quando Monique D’Angelo se posicionou entre elas com a sanfona e a voz principal e comporam um trio. “Fatalmente, formamos ali a primeira impressão do que seriam as Severinas. A execução musical e poética que fizemos gerou uma curiosidade e o povo começou a perguntar se éramos uma banda, porque a afinação estava tão boa que parecia que tínhamos ensaiado… Naquele momento, as Severinas nasceram”, declarou Isabelly Moreira, responsável pelo triângulo e declamação do grupo.
Diretamente do Sertão do Pajeú, As Severinas são uma banda de forró que mescla música e poesia. Elas passaram pela Frei Caneca FM nas proximidades do São João do ano passado, convidadas por Nathália Fernandes, que na época comandava o programa BR-101.5 pelas estradas da cultura. Isabelly conta que o grupo, inicialmente, não seguiria adiante, mas seus conterrâneos não deixaram o trio se desfazer.
Isabelly Moreira: Somos três mulheres lésbicas no forró, mas a banda não nasceu com esta bandeira hasteada, na verdade, eu até digo que surgiu de uma forma ingênua, porque queríamos só tocar e cantar o que gostamos e declamar poesia. E coincidiu de muita gente gostar do que estávamos dizendo. As Severinas deveria ter sido um projeto com começo, meio e fim, porque íamos nos reunir naquele momento da juventude e encerrar depois que seguíssemos o caminho acadêmico. Mas o povo nunca deixou que a banda acabasse.
Nathália pergunta das dificuldades que o grupo teve para conquistar seu espaço no forró, cujo ambiente é majoritariamente masculino, principalmente há 10 anos, quando As Clarianas surgiram.
Isabelly Moreira: Dentro desse percurso [com a banda] começamos a ter um processo de maturidade e de responsabilidade com o repertório. Entendemos que certas músicas não são mais interessante de tocarmos, porque já nos percebemos em outro lugar de mulher. Existem poesias que paramos de declamar porque vimos que são machistas, então as coisas começaram a ganhar signos e também perder significados. Começamos, inclusive, a nos fortalecer em processos pessoais por causa da banda. Não houve essa pretensão, mas fomos obrigadas a maturar. Já passamos por situações constrangedoras porque éramos três mulheres jovens fazendo forró. Éramos questionadas se tínhamos condições de executar certas músicas. Diversas vezes perguntaram “você aguenta segurar a sanfona?” ou “você aguenta a zabumba?”
É uma coisa que não é questionada para um menino, vemos uma criança de 12 anos segurando uma sanfona e o palco é aberto, o aplaude. Mas Monique já foi muito perguntada se ela conseguiria segurar uma sanfona… então tivemos muito isso colocado à prova. A questão poética também foi.
A entrevista com As Severinas levantou um debate importante sobre papéis de gênero na música. Mesmo nos dias de hoje, a capacidade artística das mulheres continua sendo questionada e o espaço nos palcos ainda não é inclusivo e equalitário. Precisamos cobrar das programações festivas e de festivais line-ups carregados de representatividade de gêneros musicais e comunidades. Somos diversos, afinal. Cada um de nós somos um pouquinho do lugar em que crescemos, e todos os lugares e pessoas importam.
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
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