Por Luiz Rodolfo Libonati
Entre o fim do mês de abril e o início de maio, após tramitação no Congresso Nacional desde 2020, o Projeto de Lei 2630, ou “PL das Fake News”, recebeu em seu período de votação uma grande atenção. Foram 2.101.280 visualizações em publicações que fizeram menção ao número do PL que visa ao passo fundamental à informação democrática e segura que é a regulação das plataformas digitais. Mas, aparentemente popular, tanto esse debate quanto o posicionamento majoritário tomado nas redes sociais e plataformas digitais em geral não aconteceram de modo tão espontâneo.
Segundo levantamento feito pelo Democracia em Xeque – grupo composto por estudiosos de política e comunicação pertencentes a instituições de ensino e pesquisa diversas –, como foi noticiado pelo veículo de comunicação independente Congresso em Foco, 93% desse engajamento teve influência direta de perfis e páginas ligadas politicamente à extrema-direita.
Essa movimentação online tem sido fruto de uma estratégia explícita das grandes empresas de tecnologia, cuja maior parte dos bilhões de reais do seu lucro anual tem origem na publicidade não transparente (o que, inevitavelmente, dá margem à propagação de conteúdos criminosos e fraudulentos). Para as BigTechs, a ideia de liberdade de expressão, manipulada e citada sob falsos alarmismos, se tornou arma certa em meio ao embate ideológico.
Bastante complicado, né? Pois foi para lançar luz sobre esse assunto complexo que, no programa Calor da Rua do último dia 3 de maio, o apresentador Alex Carvalho recebeu a convidada Nataly Queiroz, jornalista e professora especialista em Ciência Política e doutora em Comunicação, além de integrante do Coletivo Intervozes. Abaixo você confere o comecinho e pode acessar o bate-papo na íntegra:
Alex Carvalho: Como você falou, é um assunto extremamente importante e necessário e que está sendo descaracterizado por vários atores sociais. Eu queria começar pedindo que você desse uma geral e explicasse o que é o PL 2630.
Nataly Queiroz: Beleza! O Projeto de Lei 2630, também conhecido como o “PL das Fake News”, visa criar instrumentos de regulação das plataformas digitais. E aí é importante lembrar que, atualmente, já existe um modelo de regulação das plataformas vigente, que é chamado de modelo de autorregulação. A autorregulação acontece quando a plataforma é a responsável pela moderação de conteúdo, pela distribuição desses conteúdos para os diversos usuários. O que nós temos visto é que essa autorregulação é insuficiente para os problemas que temos presenciado. A gente já viu que a falta de uma regulação adequada das plataformas digitais causa um caos informacional enorme. É motor de muito pânico social, por exemplo, envolvendo os ataques nas escolas, é mobilizador de atos antidemocráticos, de processos de desinformação.
Então, diversos países, inclusive países europeus com democracias consolidadas, como é o caso da Alemanha, a União Europeia recentemente regulou as plataformas digitais. A gente tem visto, enquanto sociedade civil e também enquanto academia, o quanto é importante que o Estado se comprometa com a co-regulação democrática dessas plataformas.
Alex Carvalho: Inclusive, você citou o caso da Alemanha - aconteceu de eles falarem a mesma coisa que está acontecendo aqui no Brasil, “ah, a gente vai ter que sair do país”, e não foi o que aconteceu, tanto que elas todas continuam lá na Alemanha.
Nataly Queiroz: Existe muito terror e muita desinformação. O que a gente viu nesse fim de semana foi algo muito preocupante, que foram as campanhas de desinformação impulsionadas pelas próprias empresas (de tecnologia), que são empresas do capitalismo informacional. Essas plataformas digitais lucram muito com a nossa presença, com a produção de conteúdo, com a nossa atenção nelas. Elas monetizam isso e essa monetização exclui produtores de conteúdo importantes também, como jornalistas e artistas.
Então a gente vê que é um cenário muito complexo e que, efetivamente, a campanha que aconteceu nesse fim de semana tem muito mais interesses econômicos envolvidos do que o interesse público com a liberdade de expressão - conceito esse que tem sido disputado de uma forma muito perversa por alguns setores, que têm tentado inverter o sentido de liberdade de expressão como sendo a liberdade de cometer crimes, de proferir discursos de ódio, coisa que ela não é. A liberdade de expressão é um direito fundamental e tem um limite, que é o limite daquilo que está previsto também na Constituição, que é o limite do respeito aos direitos individuais e aos coletivos também.
Em sua fala, Nataly Queiroz mencionou também a importância do Projeto de Lei para a segurança dos dados pessoais de cada pessoa, visto que os mesmos são monetizados pelas grandes empresas das plataformas, o que requer que estas sejam responsabilizadas devidamente pelo uso feito deles.
Toda a reflexão torna claro o estado de vulnerabilidade a que está exposta a sociedade diante da não regulação – aqui, vale a gente lembrar, por exemplo, o alto preço das notícias falsas durante a pandemia da Covid-19. Sermos hoje sobreviventes de uma violenta crise sanitária e humanitária como essa, é de se esperar, deveria ter ensinado melhor a todos nós brasileiros.
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas e programas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife.
Todas as entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud, além do YouTube).
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