Por Bárbara Bittencourt
No dia 11 de janeiro, duas mulheres subiram a rampa do Planalto Central de mãos dadas, saudando a Xangô, orixá da justiça. Três dias antes, as sedes dos Três Poderes do Brasil tinham sido invadidas e depredadas por terroristas. A destruição causada pelos radicais, no entanto, não impediu que elas colorissem o Palácio com a alegria de duas grandes conquistas: a criação dos Ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas.
Escolhidas por suas trajetórias de luta, as duas mulheres, Anielle Franco e Sônia Guajajara, tomaram posse dos respectivos ministérios. E trouxeram consigo um alerta: “Destruir a estrutura do STF, do Congresso Nacional e o Palácio do Planalto não vai destruir nossa democracia. Aqui, Sônia Guajajara e Anielle Franco convocam todas as mulheres do Brasil para dizermos juntas que nunca mais permitiremos outros golpes no país", disse Sônia.
O reconhecimento da urgência de criar pastas específicas para as causas raciais só foi possível graças à mobilização constante dos movimentos sociais, que não deixaram de lutar por seus direitos mesmo durante a pandemia do Coronavírus. Uma dessas mobilizações cruciais foi a Marcha das Mulheres Indígenas, realizada pela primeira vez em 2019. A Marcha é fruto do debate entre as representantes de mais de 130 nações indígenas, e reivindica a “complementaridade entre o feminino e o masculino, sem, no entanto, conferir uma essência para o homem e para a mulher” na luta indígena.
Liderança indígena e antropóloga, Cristiane Pankararu foi uma dessas representantes. Em 2020, ela conversou com Maíra Brandão e Camerino Neto no já finalizado podcast da Frei Caneca FM, Conexões Telúricas, sobre a questão identitária indígena e como se deu a idealização dessa mobilização.
Camerino Neto: Em 2019, aconteceu a primeira Marcha das Mulheres Indígenas e você foi uma das coordenadoras, fala um pouquinho desse processo de liderança.
Cris Pankararu: Com certeza, essa marcha foi um upgrade para todas as mulheres indígenas. Porque estamos no movimento [indígena], mas em segundo plano, exercendo o cuidado, que foi naturalizado como algo das mulheres. Quando se percebe esse lugar só do cuidado, só do papel secundário, vemos que também queremos ter fala, opinião. […]
A Marcha começou a ser desenhada em 2015, quando criamos o grupo “Vozes das Mulheres Indígenas”, um coletivo dentro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), no qual nos reunimos e começamos a pensar na representatividade de mulheres no movimento [indígena]. Fizemos um projeto e encaminhamos para a ONU Mulheres, que encaminhou para a Embaixada da Noruega. Ela nos apoiou financeiramente para fazer os encontros e pensar como seria esse coletivo. [Nos perguntaram] se queríamos ser um coletivo com CNPJ, ter autonomia e se separar da APIB, mas não quisemos, porque se fizéssemos isso, desconstruiríamos nosso propósito: estar ao lado [dos homens], caminhar junto tendo as mesmas oportunidades. […]
Em 2017, ano da “comemoração” dos dez anos da declaração universal dos direitos dos povos indígenas, participamos de painéis da ONU, em Nova York. Eu fui a primeira indígena brasileira a apresentar um painel na ONU, cuja temática foi a violência contra as mulheres indígenas. Tive uma conexão com outras mulheres indígenas do mundo inteiro e, em 2019, se fechou a data e o tema da Marcha: “Território: nosso corpo, nosso espírito”. A data escolhida foi 9 de agosto, em razão do Dia Internacional dos Povos Indígenas. A princípio, alguns parentes nos criticaram com ironias e sarcasmos, mas tivemos muitos homens participando. […] Foi muito oportuno, mensuraram pelo menos umas 1500 mulheres, e tivemos quase o dobro. Também fizemos um ato simbólico, de nos encontramos com a Marcha das Margaridas, trazendo a cor vermelha, que é a cor da terra, do sangue, da luta, da vida e morte.
A Marcha das Mulheres Indígenas (cuja terceira edição está prevista para acontecer em setembro deste ano) e a Marcha das Margaridas são exemplos da resistência histórica que nos trouxe, enquanto nação, até aquele momento em que duas mulheres também caminharam juntas e proclamaram: “Toma posse aqui a resistência secular preta e indígena" no Governo Federal.
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Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na rádio pública do Recife.
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