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#TBT101 - O CENÁRIO DO FUTURO DE LUANA FLORES

25.08.22 - 13H06
#TBT101 - O CENÁRIO DO FUTURO DE LUANA FLORES

Por Johnny de Sousa

Há quem pense o Nordeste como uma região separada do Brasil, podendo atrair sentidos diversos diante de interpretações bem pessoais. Kleber Mendonça Filho, por exemplo, traz um Nordeste cada vez mais distópico dentro do seu universo, através de filmes como Bacurau e Recife Frio, onde costumes fictícios chocam com os absurdos da realidade. O artista visual Cristiano Soares brinca com o horror e a ficção científica, mesclados com uma estética punk, ao reconstruir a paisagem do litoral alagoano, fazendo ácidas denúncias ao neo-fascismo brasileiro. O Nordeste, portanto, é feito e refeito pelos seus filhos, assim sendo uma ação recorrente de Luana Flores, cantora, compositora, produtora musical e DJ paraibana.

No ano de 2021, Luana entrega o poderosíssimo EP “Nordeste Futurista”, lançamento proporcionado por financiamento coletivo, calcado nas bases ancestrais que transformaram a beatmaker no que ela é hoje. Através da fusão de bênçãos populares e beats pegajosos, é criada uma narrativa na qual retrata-se um desenvolvimento pessoal e, muitas vezes, criativo por parte de uma artista nordestina, se passando num cenário moderno, mas que não abandona suas tradições por nada nesse mundo.

Em setembro do mesmo ano, a apresentadora do BR-101.5, Gabriele Alves, trouxe Luana para uma entrevista, a fim de debater o universo de “Nordeste Futurista”. Além de ajudar o público a entender o cenário dessa obra, foram debatidos entre elas temas importantes para a arte da DJ, como cultura popular, ancestralidade e empoderamento.

Gabriele: Vamos começar, de fato, com aquilo que nos traz aqui, que é esse “futuro ancestral”. O que é um “futuro ancestral”, Luana?

Luana: Então, eu venho cada vez mais sentindo que, aqui no Brasil, estamos num processo de retomada. Essa retomada, que eu digo, é um processo de procurar saber sobre nossa história, de onde a gente veio. Porque não viemos de uma nave espacial, né, minha gente? A gente precisa se reconectar com os nossos ancestrais para poder seguir no mundo, e fazer um futuro sabendo de onde a gente veio. É saber de onde a gente veio para assim saber pra onde a gente vai. Eu tô muito nessa energia, e sinto que cada vez mais me aproximo desse lugar que eu sou, abraçando essas raízes populares que antes eram ditas como “não interessantes”, “sem futuro”. Acho que a gente precisa caminhar com essas raízes, para que nada delas se perca e, enfim, transformar nossa sociedade. 

Gabriele: É isso, minha gente! Acho muito bom quando você fala da cultura popular dessa forma, pois são essas as manifestações que nos fundam. A gente pensa que coco, maracatu, cavalo marinho são coisas de gente mais velha, que tão aqui há mais tempo e conhecem mais esse lado da cultura. Porém, são manifestações transmitidas oralmente, de geração em geração, e que devem ser mantidas vivas! Dito isso, me peguei muito na emoção quando ouvi, no EP, a voz de Vó Mera, que fala que “não se paga pra sonhar” e ainda afirma que “você (Luana) nasceu pra isso”. Me conte como foi abrir o EP com essa benção maravilhosa!

Luana: Mulher, tu falando isso, chega fiquei emocionada (risos) ! Quando eu pensei na abertura do EP, foi como uma reverência às mais velhas, pois é a partir delas que eu posso trilhar esse caminho pro futuro. Esse áudio de Vó Mera, que me tocou bastante, veio de uma entrevista que fiz com ela, numa live do instagram. Vó Mera também participou do clipe de “Reza”, música que lancei com Jéssica Caetano. Nesse processo de conhecer a figura de Vó, descobri que ela também é benzedeira, coisa que me fez querer levar essa imagem dela para meus seguidores do Instagram. No final da Live, ela me falou aquilo que você escuta no início do EP: “Não desista dos seus sonhos, não se paga pra sonhar, o sonho se realiza quando a gente menos espera. Esse trabalho que você tá fazendo, minha filha, é muito importante… E você nasceu pra isso!”. Menina, na hora que ela falou isso, eu me arrepiei todinha, e eu tinha que eternizar essa fala em algum trabalho meu.

Gabriele: Me arrepiei muito, também, quando ouvi a música, pois é um sentimento que você reverbera através do seu trabalho. É uma sensação de reconhecimento muito forte que você traz, e outras pessoas precisam sentir isso também, pois é de uma força, uma coragem, absurda! E a força desse disco não tá só com Vó Mera não, viu, minha gente? Teve uma galera que Luana chamou pra colaborar nesse trabalho, e eu vou trazer alguns nomes aqui: Mestra Ana no Coco, Letícia Coelho, Doralyce, Georgia Cardoso e até O Novíssimo Edgar. É um EP muito coletivo, né Luana?

Luana: É sim, e a coletividade acabou por se tornar uma jornada na produção. Com a Mestra Ana do Coco, mesmo, foi uma coisa que aconteceu da gente morar perto e eu convidá-la pra fazer uma música. Na época eu morava no Quilombo do Ipiranga, local onde ela era representante e moradora. Nisso aí, ela já passou a conhecer meu trabalho, participou de clipe meu, e nessa brincadeira acabei a convidando pra fazer uma música. Ela topou na hora! Falei que queria fazer um coco meio moderno e ela respondeu: “é o que eu quero mesmo” (risos). Passando para outras faixas, algumas foram produzidas lá no início da pandemia, quando o mundo estava começando a fechar. Esse foi o caso de “No Mei dos Mato”, música que eu fiz baseada no meu momento de isolamento na pandemia, em que eu, de fato, tava lá no meio do mato, agradecendo por estar diante da natureza em uma época tão difícil. Pra essa faixa, eu fiz um cavalo marinho, sendo eu, nesse momento, apresentada à Letícia Coelho, que gravou as rabecas na canção. Depois disso, a gente chega em Doralyce, uma recifense maravilhosa que participa na música “Vai Trovejar”, e ajudou no lançamento do EP, divulgando dentro do selo que ela mesma gere, que é o Colméia 22. Ainda teve participação de Georgia Cardoso, uma artista visual que lançou uma poesia nesse, é bem intensa. Finalmente, eu trago O Novíssimo Edgar na faixa “Lampejo da Encruza”. Eu queria muito colocá-lo no EP pois me identifico muito com ele, principalmente na parte visual. Além disso, finalizar meu trabalho com a energia dele foi algo indescritível.

Ao longo da entrevista, Luana fala das batalhas de produção do “Nordeste Futurista”, que foi feito por incentivo e colaboração do seu público, que tanto acreditaram no seu trabalho e na sua luta. Com o resultado final, Luana ganhou ainda mais admiração de seus ouvintes, além de novos fãs que mal podem esperar o seu próximo lançamento. Além das correrias da produção, Luana revela as inspirações solares que a levaram a compor o EP, falando de assistir o pôr do sol e reverenciar a natureza através da arte.

Ficou a fim de escutar a entrevista na íntegra? Clica aqui pra conferir. Lembrando que o #TBT101 é uma coluna em que, toda quinta-feira, vamos relembrar entrevistas massas e importantes que já rolaram na programação da rádio pública do Recife. 

Todas as  entrevistas ficam disponíveis na sua plataforma de streaming favorita (Spotify, Deezer, Castbox, Google Podcasts, Anchor ou Mixcloud.).

Vem de carona com a gente pelas estradas da cultura!


 

 


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